Projeto revela perfil laboral e estratégias para geração de renda de indígenas refugiados

  fevereiro 10, 2022

Ações destinadas ao povo de etnia Warao, refugiado em Belém e Ananindeua, fizeram parte do projeto “Povo das Águas”, desenvolvido pelo IEB em parceria com o ACNUR

 

Belém, 10 de fevereiro de 2022Realizado pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR),  o projeto “Povo das Águas: trabalho, participação e meios de vida”, destinado a indígenas Warao refugiados em Belém e Ananindeua, encerrou no final de 2021 com a produção de indicadores sobre o perfil de trabalho e alternativas de superação da vulnerabilidade socioeconômica pelas pessoas refugiadas.

Um novo projeto começou a ser implementado por ambas as organizações este ano com o objetivo de assegurar a autonomia e a melhoria dos meios de subsistência entre os refugiados indígenas Warao em Belém.

As duas iniciativas partiram do contexto iniciado em 2016, quando o povo Warao passou por um processo de deslocamento massivo forçado, saindo da Venezuela rumo a outros países da América do Sul, especialmente para a região Norte do Brasil. Indígenas de outras etnias e pessoas não-indígenas também fizeram parte desse intenso processo de migração.

A chefe de escritório do ACNUR em Belém, Janaína Galvão, ressalta que a condição indígena aumenta os desafios impostos às pessoas migrantes refugiadas no país de acolhida. “No contexto do deslocamento no Brasil, os Warao enfrentam desafios para satisfazer suas necessidades básicas. A esmagadora maioria dessas famílias não encontrou ainda fontes sustentáveis de renda, tendo que recorrer à coleta nas ruas (prática de pedir dinheiro), diante das escassas oportunidades de meios de vida. Pese que as primeiras chegadas ao país datam de 2014, a emergência que caracteriza o deslocamento Warao ainda não se estabilizou”, explica.

Diagnóstico – De acordo com o levantamento do projeto realizado pelo IEB, mais de 600 pessoas do povo Warao vivem em Belém e em Ananindeua, sendo 46% adultas em idade ativa para o trabalho.  Para alcançar esse público, o ponto de partida das atividades foi o Espaço de Acolhimento do Tapanã, abrigo municipal, onde vive a maior parte das famílias Warao.

Em seguida, outras sete comunidades indígenas foram envolvidas no projeto. As atividades envolveram desde reuniões de planejamento com os aidamos, como são conhecidas as lideranças, até a realização de oficinas de mapeamento laboral com grupos familiares, nas quais cada pessoa podia contar sobre a trajetória de deslocamento da Venezuela até o Brasil, com ênfase nas experiências de trabalho e formação.

Oficina de mapeamento laboral. Foto: IEB

As oficinas culminaram na elaboração de planos de vida individuais e coletivos pelos 142 participantes. Esses planos envolveram os objetivos profissionais e educacionais dos Warao, além de uma série de ações formativas,voltada ao processo de inclusão econômica e social desse povo na capital paraense.

Perfil laboral – As primeiras atividades do projeto com os interlocutores revelaram a diversidade de experiências profissionais e formativas, além de variadas áreas para as quais os indígenas se propõem a trabalhar. Entre as experiências de trabalho citadas pelos participantes, a mais comum é o artesanato (18%), seguido do trabalho rural (17%) e da pesca (14%). Quando se trata das áreas em que desejam atuar no Brasil, as mais citadas são artesanato (24%), serviços gerais (22%), construção civil (8%) e docência (8%).

Artesãos em atividades formativas do projeto. Foto: IEB

Perfil laboral completo:

Formações – Uma das ações formativas realizada pelo Projeto Povo das Águas foi o curso profissionalizante de soldador, oferecido pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), em parceria com o IEB. “Com esse curso, eu tenho um pouco mais de confiança sobre como eu trabalho, sobre a vida aqui. É uma oportunidade muito boa para nós. O conhecimento ajuda a abrir muitas portas, ajuda a nossa independência financeira”, destaca Euclidez Morales, um dos participantes do curso.

A produção de artesanato também foi tema das atividades de formação, com a realização de um curso de aperfeiçoamento e fortalecimento de redes para comercialização dos produtos. Além de gerar renda, a produção de artesanato valoriza a cultura e o conhecimento tradicionais dos Warao.

“Aprender uma coisa praticamente nova é uma ajuda e uma ferramenta a mais para seguirmos adiante com nosso artesanato. Sim, na Venezuela fazemos artesanato com miçangas, com buriti, com fibra de buriti. Mas aqui não é igual, porque passamos por vários problemas como migrantes”, avalia a artesã María Belén Sánchez Gimenez.

Resultado do curso de aperfeiçoamento do artesanato warao, uma série de vídeo-aulas está disponível no canal do IEB no Youtube.

Articulações – Outras ações também foram realizadas para estimular a empregabilidade warao, como o diálogo com o setor empresarial da região. Parte dessa estratégia foi a constituição de fórum sobre o tema, reunindo empresários, lideranças indígenas e representantes do Ministério Público do Estado do Pará, Defensoria Pública da União, Prefeitura de Belém, Governo do Estado, ACNUR e organizações da sociedade civil para debater estratégias a partir dos dados levantados pelo projeto “Povo das Águas”.

Outra articulação importante apoiada pelo projeto foi o curso de formação de lideranças indígenas, promovido pela ACNUR, em novembro do ano passado, que contou com a participação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). O curso abordou os direitos indígenas e aspectos culturais e organizacionais do movimento indígena brasileiro, identificando semelhanças com as experiências dos indígenas venezuelanos. Segundo os organizadores, essa aproximação fortalece a cidadania dos indígenas refugiados.

“A verdade é que nós vamos viver muito tempo aqui, agora nós vamos seguir avançando juntos, com irmãos Warao, como parentes Warao, como indígenas. Nós somos indígenas, nascemos indígenas. Viemos de outro país, mas queremos valorizar nossa cultura, nossos direitos”, comenta o aidamo Freddy Cardona.

A antropóloga e analista socioambiental do IEB, Lanna Peixoto, explica que o projeto teve como premissa o fortalecimento da organização política dos indígenas Warao refugiados. “Entendemos que isso é essencial para que eles possam reivindicar a garantia de seus direitos, em relação a vários âmbitos da vida, especialmente no que se refere à inserção produtiva, geração de renda, educação. É fundamental fortalecer os coletivos warao para que eles possam incidir sobre o espaço público e tenham suas demandas atendidas”.