Seminário discute educação quilombola no Amapá

  dezembro 3, 2020

Na última segunda-feira (30/11) o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) realizou o “Seminário Intermunicipal Educação de Mulheres Negras e Quilombolas: avanços, desafios e proposições para localizar os ODS no Amapá”, feito de forma virtual o evento marcou a finalização do Projeto Mulheres Negras e Quilombolas pelo Direito à Educação e contou com a participação de mais de 30 pessoas, em sua maioria mulheres, entre lideranças de movimentos sociais, gestores públicos e moradoras de diversos quilombos do Estado do Amapá.

 Debate

O seminário é uma ação de incidência política da sociedade civil junto ao poder público, com reivindicações e reflexões sobre a qualidade social e técnica da educação. A atividade buscou favorecer a concretização dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável 4 (Educação) e 5 (igualdade de gênero), nos municípios de Itaubal, Laranjal do Jari, Mazagão e Vitória do Jari.

Na ocasião moradoras dos quilombos e lideranças dos movimentos, apresentaram aos representantes do poder público presentes no evento, um documento intitulado “Cenários, desafios e proposta para a Educação Quilombola no Amapá”. O documento faz um panorama da educação de mulheres nos quilombos e inclui, ainda, um conjunto de proposições com as quais exigem o comprometimento do estado.

Segundo o representante do Núcleo Étnico Racial da Secretaria de Estado de Educação do Amapá (NEE/AP) o estado possui 26 escolas quilombolas, e em 13 delas a gestão é feita por mulheres. O representante NEE/PA, Ibraim Santana, relatou que o estado tem reformado escolas e pretende realizar processos seletivos específico para professores quilombolas. Contudo, durante o seminário, a insatisfação com as unidades de ensino foi relatada em diversos depoimentos feitos pelos participantes.

Participantes do seminário ligam as câmeras para o registro do encontro que ocorre virtualmente por causa da pandemia

 

A moradora do quilombo do Curiau, Joelma Meneses, ressaltou que a vida da mulher quilombola é árdua, com atividades que alternam entre a vida no campo, afazeres na cidade e estudos. “Além de exercer atividades diárias (doméstica, agricultura etc.) a gente estuda e recebe uma educação desigual, em uma escola sem a cor preta ”, ressaltou Joelma sobre os investimentos nas escolas quilombolas que estão longe do adequado e carentes de currículos que valorizem a história do povo preto.

Com a mesma ênfase Núbia Cavalcante, Coordenadora Estadual da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), ressaltou a pouca participação das populações negras nas escolas. “Nós temos situações em que há filhos e filhas do quilombo formados em educação, mas não são eles que cuidam da nossa [formação]”, reivindicou Núbia sobre a falta de professores e professoras de origem quilombola.

O entendimento crítico das participantes está baseado em normativas da educação relacionado ao povo negro.  Uma delas é a Lei n.10.639/03 que determina “nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira (…) O conteúdo programático incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional…”.

Para a professora e pesquisadora da Universidade Federal do Amapá, Piedade Videira, as melhorias na educação para o povo preto são mínimas e exigem um esforço amplo para sua superação. “Temos um arcabouço legal e órgãos de controle (MPE e MPF). Precisamos acioná-los, juntamente com as universidades, pois trabalham com a formação de professores. Precisamos de ações! E eles [academia e órgãos de controle] são fundamentais para fortalecer nossa luta”, afirma Piedade.

Após o seminário, houve uma atividade em torno da criação de um Grupo de Trabalho afim de monitorar junto ao poder público os compromissos assumidos.

Encerramento

O Seminário foi a última atividade do projeto Mulheres Negras e Quilombolas pelo Direito à Educação, uma iniciativa apoiada pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GT2030) e pela União Europeia. Os debates e encaminhamentos do evento refletem dez meses de diálogos e um percurso formativo de 12 encontros virtuais, impostos pela epidemia do Coronavírus, e agravado por uma série de apagões elétricos no mês de novembro na capital amapaense.

O projeto buscou colaborar em uma agenda propositiva para a garantia e acesso ao direito à educação escolar de qualidade social e técnica para as mulheres negras e quilombolas em 4 municípios do estado do Amapá, na perspectiva dos ODS 4 e ODS 5. Dentro do quadro nacional, ambos tiveram suas metas estagnadas ou sofreram retrocessos, segundo o IV Relatório Luz da Sociedade Civil da Agenda 2030.

Reinventar

Com um cenário adverso foi preciso se reinventar para dar contar de uma formação destinada prioritariamente a mulheres quilombolas do Amapá cujo acesso internet eram precários.

“As mudanças metodológicas não prejudicaram o alcance dos objetivos, e foi possível uma mobilização significativa de mulheres quilombolas, organizações do movimento negro do Amapá, membros da academia, entre outros, que deram a qualidade ao debate e realizaram uma ação de incidência significativa que deve ter uma permanência no Estado”, destaca a coordenadora de projetos, Maura Moraes.

O IEB seguiu sua abordagem de fortalecimento de atores sociais por meio de processos formativos, usando uma metodologia includente que ouviu e internalizou no curso as contribuições dos representantes dos movimentos sociais negros do estado. Essa contribuição foi fundamental para definir o conteúdo trabalho.

Apresentação do projeto Mulheres Negras e Quilombolas pelo Direito à Educação para lideranças de movimentos sociais no Amapá – JAN/2020

Guerreiras

Racismo estrutural, movimentos sociais e ancestralidade foram temas abordados em vídeos, áudios, textos e debates que impactaram as (os) participantes de diferentes maneiras. Para Luziane de Freitas, moradora da Vila Santana, no Quilombo Tapereira, a formação foi uma descoberta. “Eu não tenho palavras pra dizer o quanto o curso foi importante. Eu descobri a história de mulheres guerreiras que nos dão esperança para continuar lutando por nossos direitos”, conta Luziane.

A professora Rivanda Lina, recordou o seu aprendizado nos mais de 20 anos atuando no movimento social. “Tem coisas que a gente viu, leu, estudou, discutiu e ficou lá guardadinho naquela caixinha. O curso me fez revisitar aquela caixinha. Ele me fez ver o quanto você ainda pode fazer para melhorar o que está aí”.

Diante do atual quadro político nacional a integrante do Instituto de Mulheres Negras do Amapá (Imena) também expressa o mesmo espírito das mulheres guerreiras que inspiraram Luziane. “A gente percebe que não está morto – não estamos paradas. A gente só precisa rever a nossa forma de atuação, rediscutir e ir em frente. Mesmo com todo esse desgoverno que tenta acabar com os nossos ganhos [conquistas do movimento negro], a gente ainda pode muita coisa. Se todas (os) juntarmos nossas forças, também podemos colocar muitas coisas abaixo”, finaliza Rivanda.