Povos indígenas de todo o planeta se reúnem no Egito para trocar experiências e alinhar posicionamentos para a COP27

  novembro 7, 2022

Delegação IEB/FOCIMP/NIMCSulAm participa de encontros pré-COP da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas e do Caucus Indígena

“Nós, os povos indígenas não contribuímos para as mudanças climáticas, mas somos os primeiros a sofrer seus impactos”. A fala do co-presidente da Plataforma de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais da Convenção, Onel Masardule, resume a injustiça climática que os povos indígenas de todo o planeta têm que lidar diariamente.

Representando apenas 5% da população mundial, são eles os protetores de 80% de toda a biodiversidade do planeta, segundo dados da ONU. São os conhecimentos, as tecnologias e a forma de se relacionar com a Terra que cada um desses povos desenvolveu que ainda permitem a nossa existência. Ainda assim, os povos indígenas acessam diretamente menos de 1% do financiamento climático global. Por esse e tantos outros motivos, a luta por mais representatividade nos espaços de decisão e por mais acesso a financiamento climático, seja em volume ou via simplificação de mecanismos de acesso, é uma bandeira de todos.

Representantes das Ilhas Fiji clamam por urgência na agenda climática

Durante os seis dias (1º a 6/11) que antecederam a COP27, em Sharm El-Sheikh, no Egito, povos indígenas de todo o planeta se reuniram em dois eventos para trocar experiências e alinhar posicionamentos para as negociações da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês).

Em frente ao Mar Vermelho, pelos jardins do evento, povos do Ártico celebravam o reencontro com seus irmãos do Sudeste Asiático; andinos conversavam com Touaregs do Mali; representantes das ilhas miúdas do Pacífico trocavam artesanatos com as mulheres indígenas brasileiras; Kororos dos Camarões e Poullas do Níger pediam fotos com os cocares amazônicos.

A representante Bororo, de Camarões, Aisha Kadiri (acima) e a representante Poulla, do Níger, Nana Maryama, experimentam o cocar de Ianukula Kayabi, representante da ATIX

Quando a língua era barreira, olhares e sorrisos de identificação e um pouco de mímica para telegrafar ideias. Quando presente a tradução, os relatos e experiências trocados deixavam ainda mais evidentes as muitas semelhanças históricas e atuais: invasões e roubo de terras, racismo e ameaças os modos de vida, secas e insegurança alimentar. Injustiça sobre injustiça, mas também muita força, beleza, inovação e soluções para o mundo: orgulho das identidades plurais e ancestrais, da história, dos guardiões do conhecimento, da conexão com a terra e das muitas lutas por justiça social e climática.

Indígenas brasileiros e representantes Masai, Touareg e das Ilhas Fiji celebram encontro

Nesse caldeirão, a delegação IEB/FOCIMP/NIMCSulAm (Núcleo Indígena de Mudanças Climáticas do Sul do Amazonas) se somou à delegação ATIX/CIR/Juruena Vivo/FOIRN/RCA/OPAN, à COIAB e ao IPAM para levar a voz do Brasil na 8ª Reunião do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas da Convenção (LCIPP)  (1 a 4/6) e no encontro do Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas, ou Caucus Indígena (5 e 6/11).

Apesar da falta de tradução para o português no evento da Plataforma –uma das bandeiras de incidência da delegação brasileira para igualdade na participação- a delegação ATIX/CIR/Juruena Vivo/FOIRN/ RCA/OPAN se preparou para levar uma intérprete e equipamentos próprios de tradução, conseguindo aportar contribuições técnicas ao plano de trabalho da Plataforma, em especial às Atividades 3 e 5: a identificar e disseminar informações sobre o desenvolvimento e uso de planos de estudo e materiais elaborados por povos indígenas, ligados às questões climáticas, destacando o conhecimento tradicional em sistemas educacionais formais e informais; e a promoção de treinamentos para membros dos países e agências da ONU para um maior engajamento nas questões indígenas. Saiba mais neste artigo da OPAN.

Já no encontro do Caucus Indígena (5 e 6/11) a histórica luta por tradução para o português –que não é um dos cinco idiomas oficiais da UNFCCC como o árabe, chinês, espanhol, inglês e russo- teve resultado e os participantes brasileiros puderam participar em pé de igualdade.

“É uma honra poder estar aqui trabalhando e vendo tudo que está acontecendo no mundo e o trabalho que fazemos em prol do meio ambiente, defendendo a natureza”, disse o cacique Zé Bajaga Apurinã, coordenador geral do NIMCSulAm e da FOCIMP (Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus), ao se apresentar em alto e claro português. “Isso é muito importante para todos nós, haja visto que no Amazonas, onde a floresta está bastante em pé, já estamos sofrendo com o clima, com enchentes, ventos e temporais que não aconteciam, e também com falta de chuva. Estou representando também o Núcleo Indígena de Mudanças Climáticas do Sul do Amazonas”, reforçou.

O cacique Zé Bajaga Apurinã, usa equipamento de tradução levado pelos colegas do Brasil

A Plataforma é uma instância oficial da UNFCCC e serve para fornecer subsídios para os corpos técnicos incluírem as perspectivas, demandas e conhecimentos dos povos indígenas e comunidades locais nas negociações da Convenção. Nela representantes de povos indígenas e representantes de Governos interagem em um ambiente mais formal que segue uma série de ritos diplomáticos.

O Caucus é um espaço somente dos povos indígenas, para troca de experiências, esclarecimentos sobre a COP e para alinhar posicionamentos para as negociações, que ainda não tem espaço oficial para os guardiões da biodiversidade global. Em cada COP, o Caucus se reúne previamente para apresentar o que está por vir e, diariamente se reúne para definir a posição desses povos no pouco espaço de fala que lhes é garantido diante dos chefes de Estado.

“O texto está muito bom, mas precisamos dar mais consistência porque nós, povos indígenas da Amazônia, já vivemos uma emergência climática, principalmente nós mulheres”, pontuou Sinéia do Vale na plenária em que se discutia o texto a ser lido no primeiro dia de participação do Caucus na COP. Especialista em Mudanças Climáticas, Sinéia é liderança do Conselho Indígena de Roraima, a mais antiga organização indígena do Brasil, 

“A gente fala de adaptação, mitigação, mas acho que falta no texto um pouco mais de força para dizer que precisamos de uma emergência urgente dos chefes de países para olhar para os povos indígenas do mundo inteiro, não só na Amazônia mas para todos os povos indígenas, principalmente mulheres que estão lá com seus conhecimentos tradicionais fazendo o manejo da floresta. A gente sabe que tem países que estão aí sem assumir seus compromissos, então a gente precisa ter uma coisa mais forte dentro desse texto para uma emergência do agora”, completou.

Sineia do Vale, especialista em Mudanças Climáticas e liderança do Conselho Indígena de Roraima

IEB/FOCIMP/NIMCSULAM NA COP27

A delegação IEB/FOCIMP/NIMCSulAm está levando, fomentando e apresentando três experiências e projetos durante a COP27: O Núcleo Indígena de Mudanças Climáticas do Sul do Amazonas, o Parentas no Clima e o programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC).

O NIMC SulAM, constituído recentemente e composto por coordenadores e agentes ambientais de oito organizações indígenas no sul do Amazonas (FOCIMP, OPIAJ, OPIAJBAM, OPIAM, OPIPAM, APIJ, APITIPRE e APITEM), trabalha atualmente com três principais objetivos: i) fortalecer o enfretamento às mudanças climáticas nos territórios indígenas da região; ii) fortalecer a incidências política dos povos e territórios indígenas nas políticas de clima e iii) dar visibilidade à importância dos modos de vida e territórios indígenas no enfrentamento às mudanças climáticas.

O Parentas no Clima é uma iniciativa que nasce de um programa de formação continuada voltado para fortalecer e valorizar o papel das mulheres indígenas na gestão de seus territórios e nas economias da floresta no sul do Amazonas – o Entre Parentas. Esta formação, além de possibilitar a criação de uma rede afetiva e com forte atuação local para promoção do bem viver revelou o potencial do trabalho das mulheres para o monitoramento dos efeitos das mudanças climáticas em seus territórios e que vem afetando dramaticamente a gestão do território, as cadeias de valor e a segurança alimentar dos povos indígenas da região. Articuladas em rede e empoderadas de seus papeis, essas mulheres estão criando e incorporando novas tecnologias para conhecer profundamente os efeitos das mudanças climáticas em seus territórios, valorizando o conhecimento tradicional no enfrentamento a essas mudanças e propondo novas soluções para o clima e o planeta.

Já o VAC é uma aliança do sul global que apoia o desenvolvimento e fortalecimento de comunidades, pessoas e organizações afetadas pelas mudanças climáticas (no Brasil, Bolívia e Paraguai, Indonésia, Quênia, Tunísia e Zâmbia) contribuindo para a criação e ocupação de espaços de decisão de forma que as vozes locais influenciem os debates sobre o clima. O IEB é parte da Aliança Brasil e é responsável pela Gestão e Intercâmbio de Conhecimento.

Para o programa, a COP é um espaço importante para amplificar as vozes de povos indígenas, jovens, mulheres e outros grupos invisibilizados, mostrando suas ações e conquistas. É também um espaço estratégico para defender a mudança de agência, de recursos e de liderança da discussão climática pelo nível local, incluindo financiamento climático e expandindo a rede e o movimento.

Para Andreia Bavaresco, coordenadora-executiva do IEB, “facilitar a construção de pontes e diálogos entre as ações concretas de enfrentamento às mudanças climáticas nos territórios e os espaços de tomada de decisão sobre os rumos da política climática global é um dos objetivos da nossa participação na COP 27, com ênfase nas lutas de gênero, racismo ambiental e justiça climática”. 

Para continuar acompanhando a delegação IEB/FOCIMP/NIMCSulAm na COP 27, siga acompanhando o IEB aqui e nas redes sociais e fique sabendo sobre os eventos que terão transmissão online ao longo desta semana.

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Texto e fotos: Adriano Maneo