PL 490 e a violação ao direito da Consulta Prévia

  maio 26, 2023

Uma medida nefasta e prejudicial para os povos indígenas no Brasil foi aprovada para tramitação em urgência na Câmara dos Deputados, no apagar das luzes do dia 24 de maio. Trata-se do Projeto de Lei (PL) 490, chamado de o “genocídio legislado” por organizações indígenas e indigenistas. O PL, que tramita há mais de uma década na Câmara, representa uma tentativa de legislar sobre o Marco Temporal e coloca em risco direitos assegurados na Constituição Federal aos povos indígenas, dentre eles, destaca-se a transferência da demarcação das terras indígenas para o Congresso Nacional, hoje, atribuição que compete à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), órgão, sobretudo, tecnicamente qualificado para tal finalidade.

O argumento da proposta e seus apensados (documentos anexos ao PL que adicionam novas proposições normativas ao projeto), é de que a demarcação de terras indígenas no Brasil interfere em direitos individuais, em questões relacionadas à política de segurança nacional na faixa de fronteiras, política ambiental e assuntos relacionados à exploração de recursos hídricos e minerais e seriam de competência do Congresso Nacional.

Destaca-se, porém, que o artigo 231 da Constituição Federal (CF) assegura a posse permanente das terras ocupadas pelos indígenas, “cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”, para além disso, em seu parágrafo 3º estabelece a necessidade de consulta de povos indígenas por ocasião de explorações econômicas em seu território, direito este reforçado pela Convenção 169, artigo 6º da Organização Internacional do Trabalho (OIT):

[…] os governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-Ios diretamente […]”

Portanto, somente os povos indígenas podem dizer se consentem com alguma atividade ou empreendimento em suas terras e, para além disso, também é direito de povos indígenas a consulta prévia, livre e informada em razão de medidas legislativas suscetíveis a afetá-los, a exemplo do PL 490. Assim, o projeto de lei se mostra um insulto e grave violação aos direitos indígenas, uma vez que, além da transferência de competência em relação a demarcação, visa implementar, pela via legislativa, a malfadada tese do marco temporal, propõe a instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções em terras indígenas e exploração independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas.

Outro insulto ao direito à Consulta Prévia diz respeito à atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal em terras indígenas independentemente de consulta às comunidades, sendo uma afronta à tratado internacional do qual o Brasil é signatário- a Convenção 169- da Organização Internacional do Trabalho (OIT) dos Povos Indígenas e Tribais, a qual, como mencionado, expressa ser necessário consultar os povos interessados sempre que medidas administrativas e legislativas os afetem diretamente.

O PL 490 representa mais um ataque aos povos indígenas, pois traz insegurança jurídica ao usufruto de suas terras. Assim, é necessário que se cumpra o dever constitucional de assegurar os direitos indígenas e às terras que tradicionalmente ocupam, afastando a inconstitucional tese do marco temporal, bem como, a ideia de intervenções não consentidas por povos indígenas dentro de suas terras.