Extrativistas cerratenses se reúnem e dão início ao projeto Baru da Chapada durante X Encontro e Feira dos Povos do Cerrado

  setembro 19, 2023

Entranhado nos modos de vida de muitos povos e comunidades tradicionais do Cerrado, o baru é não só fonte de renda para muitas pessoas, mas também altamente nutritivo e uma alternativa viável para a recuperação de áreas degradadas. Como resultado, o baru é e pode ser ainda mais um caminho para o desenvolvimento social e ambiental dos povos do Cerrado. O desenvolvimento de uma cadeia justa do baru garante a permanência do Cerrado em pé e a subsistência de muitas populações tradicionais que vivem no bioma e, por isso, está intimamente ligada à agenda de conservação do Cerrado e ao modo de vida das comunidades tradicionais e dos agricultores familiares.

Em torno dessa cadeia gira o projeto Baru da Chapada, que após uma série de escutas e visitas às comunidades e organizações parceiras para desenhar uma estratégia que atenda às necessidades e demandas das comunidades, teve seu lançamento oficial durante o X Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, em Brasília, neste mês de setembro. Com a presença de extrativistas quilombolas e assentados cerratenses da região da Chapada dos Veadeiros, localizada no noroeste de Goiás, e a equipe do Programa Povos do Cerrado, do IEB, o evento também teve convidadas e convidados especiais e parceiros da Copabase, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, da Central do Cerrado, do WWF-Brasil e do Grupo de Trabalho (GT) do Baru.

A oficina inaugural foi um momento para reunir representantes das comunidades de 4 municípios (Alto Paraíso, Monte Alegre, cavalcante e Teresina de Goiás) que estarão envolvidas nos 4 anos de projeto, apresentar o processo de implementação, tirar dúvidas e reunir várias perspectivas e experiências em duas mesas para debater sobre a cadeia do baru e a importância dos povos e comunidades tradicionais para a conservação do Cerrado.

Família de extrativistas do norte de Minas Gerais. Foto: Acervo COPABASE

Dona Teodora, liderança Kalunga e cerratense de corpo e alma, lembrou da época em que o baru não era sequer comercializado, contou um pouco da sua história no Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Quilombo Kalunga e reforçou:

“Eu sou o Cerrado! Eu sou Mangaba, eu sou Baru, eu sou Pequi, eu sou Caju. Sou tudo o que está no Cerrado. Então vou cantar uma música que quando minha mãe ia pegar ela cantava assim”:

BARU DA CHAPADA

O projeto Baru da Chapada, cujo nome oficial é “Cerrado em pé com geração de renda: a cadeia produtiva do baru como aliada da biodiversidade e dos povos tradicionais” visa fomentar a conservação do Cerrado no nordeste e noroeste de Goiás por meio do fortalecimento de suas populações tradicionais e da sociobiodiversidade.

Em parceria do IEB com a Associação Quilombo Kalunga (AQK) e a Cooperativa Agroecológica dos Produtores Rurais do Município de Alto Paraíso de Goiás e Região Ltda. (CooperFrutos do Paraíso) o projeto é estruturado em três componentes:

  1. Cadeia produtiva justa e sustentável do baru;
  2. Organizações de base comunitária fortalecidas e
  3. Governança, monitoramento e comunicação.

A coordenadora-executiva do IEB, Andreia Bavaresco, apresenta o projeto Baru da Chapada durante oficina inaugural. Foto: Acervo IEB

O Componente 1 visa a promoção e a organização social para o fomento ao agroextrativismo do baru no nordeste e noroeste goiano com o objetivo de desenvolver uma cadeia mais produtiva e sustentável para a produção do baru, conhecendo os seus caminhos e potencialidades, desde a assistência técnica rural até o mercado.

O Componente 2 destina-se ao fortalecimento e profissionalização das organizações de base comunitária, através da concepção do programa de capacitação em cadeias de valor sustentáveis e inclusivas (Formar Baru), inspirado na iniciativa com a castanha-da-amazônia, Formar Castanha. A ideia é implementar um programa de formação continuada com 6 módulos para construir junto aos atores envolvidos na cadeia do baru a compreensão e o reconhecimento do seu papel nos diferentes elos. Durante o Formar Baru, o projeto também irá conceber e implementar um aplicativo para cálculo de custo de produção do baru.

Já o Componente 3 pretende estimular a governança da cadeia do baru, através do Coletivo do Baru, também inspirado na experiência do Coletivo da Castanha com a castanha-da-amazônia. O Coletivo do Baru busca fomentar uma rede ativa e colaborativa de extrativistas e organizações comunitárias e de apoio, que realizam troca de informações sobre a cadeia e demais temas pertinentes. Para isso, o projeto irá promover a mobilização, articulação e encontros de redes e coletivos que atuam na cadeia do baru e em outras cadeias de valor da sociobiodiversidade do Cerrado, como o GT Baru. O monitoramento e a comunicação fazem parte das ações de coordenação do projeto.

Baru. Foto: Acervo COPABASE

Assim, o projeto tem elementos de fortalecimento institucional, organização social e geração de renda de forma sustentável, sempre valorizando os conhecimentos tradicionais dos povos do Cerrado. Mas o projeto vai além disso, e conta com forte pegada de formação, construção coletiva de conhecimento e formação de rede, marcas do IEB.

Durante os debates a importância desses elemento no projeto foi destacada. Carlos Pereira Kalunga, que é presidente da Associação Quilombo Kalunga (AQK) graduado em licenciatura em educação do campo e mestrando na UnB, ressaltou a importância da educação e da informação para evitar desequilíbrios na sua comunidade.

“Quando as informações não chegam de forma adequada, se cria um desequilíbrio, e no Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Quilombo Kalunga isso foi um problema com o Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar] que, sem assistência, foi usado o recurso pra derrubar cerrado e criar pasto”, exemplificou. “Hoje já estamos um pouco mais equilibrados, mas ainda com falta de fortalecimento das organizações. Outro desequilíbrio é a falta de cuidado com essa transformação em produtos comerciais sem planejamento e organização, que pode gerar muitos conflitos”, disse.

Dionete Figueiredo, gerente da Cooperativa de Agricultura Familiar Sustentável com Base em Economia Solidária (Copabase), referência na organização social e no trabalho com o baru realizado em Arinos-MG, trouxe a experiência da Copabase e deixou o recado sobre a relevância da organização coletiva.

“Na nossa regional, só quando a gente entendeu a importância de se organizar e de encontrar parcerias e projetos com financiadores que nós da Coopabase montamos uma cooperativa. Entendemos que, se a gente não se organizasse coletivamente a coisa não sairia”, lembrou. “São 16 anos de aprendizados e muitos erros também. A gente se organiza em rede e estamos felizes de poder compartilhar com vocês”, completou.

Por fim, Aryanne Amaral, do Programa Povos do Cerrado, lembrou do ponto de partida da iniciativa para o IEB.

“Essa caminhada começou no IEB em 2019, com o CEPF (conheça mais sobre o CEPF aqui). Naquele ano, estivemos no Encontro dos Povos do Cerrado em um evento sobre baru e, a partir da demanda que escutamos nessa oficina, percebemos que trabalhar com o baru seria um bom caminho para trabalhar com as pessoas e a conservação, já que esse é o mote do IEB: Gente, caminho para a sustentabilidade”.

“Percebemos também que a Chapada seria um ponto forte, porque a AQK já trabalhava com o IEB através do CEPF Cerrado e a CooperFrutos nos foi apresentada pelo Luis Carraza [da Central do Cerrado].”

Paisagem de Cerrado no território Kalunga. Foto: Peggy Poncelet / Acervo CEPF

Carraza, que também participou da inauguração do Baru da Chapada celebrou a iniciativa, lembrou dos múltiplos usos do baru e as várias possibilidades ainda não aproveitadas, mas fez um alerta:

“Mais que trabalhar as questões técnicas, temos também que trabalhar as questões políticas. Estou preocupado com os rumos que o baru está tomando, com monocultura de baru, com mudas clonadas, pacote de venenos e químicos, então precisamos fazer a disputa do modelo porque se começar o baru nesse modelo, os extrativistas comunitários estarão fora do jogo, porque não será possível competir”.

Nesse sentido, o projeto pode ser uma importante ferramenta, já que, para além das questões comerciais e de gestão, o debate e formação política e a organização social e em redes são eixos centrais e colocam a questão do modelo de desenvolvimento em pauta junto às comunidades parceiras em todos os 3 componentes estratégicos da iniciativa.

O projeto Baru da Chapada é realizado pelo IEB em parceria com a Associação Quilombo Kalunga (AQK) e a Cooperativa Agroecológica dos Produtores Rurais do Município de Alto Paraíso de Goiás e Região Ltda. (CooperFrutos do Paraíso) com apoio do Global Environment Facility (GEF) e do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO).

Texto: Adriano Maneo