UTSAMÃNERY KIMAPURI SARI KAI XITY – O povo no caminho da Terra Sagrada. Conheça mais um projeto apoiado pelo Nossa Terra

  setembro 30, 2019

Em 2017, quando a Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi (OPIAJ) se reuniu para elaborar o projeto UTSAMÃNERY KIMAPURI SARI KAI XITY (em português: ‘O povo no caminho da Terra Sagrada’), em parceria com o Instituto Intenacional de Educação do Brasil (IEB) e a Operação Amazônia Nativa (OPAN), com financiamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), a associação indígena assumiu um grande desafio: gerir um projeto com recursos próprios, angariados através de um Fundo de Pequenos apoios para a implementação da Política Nacional Gestão Ambiental e Territorial Indígena, a PNGATI.

O projeto UTSAMÃNERY, executado no âmbito do projeto Nossa Terra, capacitou a coordenação executiva da OPIAJ para realizar um levantamento socioeconômico nas 37 aldeias representadas pela associação indígena. Atualmente as 37 aldeias fazem parte de sete terras indígenas demarcadas e três reivindicadas, que somam mais de 1.064.606 de hectares de áreas de floresta nativa, protegidas pelos indígenas que nela vivem desde antes do período colonial.

“Durante a implementação do projeto UTSAMANERY a OPIAJ pode aprimorar sua capacidade de gestão de recursos e aprender na prática todas as etapas que envolvem a realização de um projeto”, explica Wallace Apurinã, 34 anos, Coordenador Executivo reeleito da OPIAJ. “O projeto UTSAMANERY trouxe a consolidação do sentido de “organização”, no qual pudemos exercitar nossa autonomia. Além disso, trouxe a possibilidade de estar presente em todas as aldeias que são base da OPIAJ, tanto das que se encontram em áreas demarcadas, como em processo de reivindicação fundiária”, completa.

De acordo com ele, isso nunca tinha sido possível ao longo dos 15 anos de funcionamento da associação. Ele conta que enquanto recolhiam informações atuais e qualificadas, aproveitaram para se reunir com as comunidades e absorver as expectativas e demandas das bases. “Isso veio de encontro com o planejamento estratégico construído participativamente, que serve de orientação para os trabalhos da coordenação”, diz Wallace Apurinã. Ele frisou ainda que o projeto foi implementado pela coordenação anterior, da qual ele também fez parte, e reconheceu o papel fundamental de Francisco Marcelino, Sebastião Bessa e Marilda Julião para que fosse possível alcançar os resultados, que são bastante relevantes. “Eu só tenho a agradecer a esta equipe que abriu caminho para uma nova coordenação composta por mulheres e jovens compromissados. Os resultados do UTSAMANERY foram apresentados durante a última assembleia, o que certamente inspirou as bases e sensibilizou as comunidades quanto a importância do fortalecimento da nossa organização.”

Coordenação da OPIAJ eleita em maio de 2019 – maior participação de jovens e mulheres com o fortalecimento da GEIP e a GMAI.

A referida assembleia, apoiada pelo projeto UTSAMÃNERY e demais parceiros, aconteceu em maio de 2019 e contou com a participação de mais de 400 indígenas que estiveram reunidos por quatro dias para discutir a sustentabilidade, governança e soberania de seus territórios – ameaçados pelos ataques proferidos pelo atual governo.

A OPIAJ direcionou parte das ações do UTSAMANERY para qualificar e beneficiar a juventude indígena. Foi realizada uma Pesquisa de Cultura e meio Ambiente em 16 aldeias Apurinã – em diferentes graus de contato e de fluência na língua materna. Para tanto, 25 indígenas foram capacitados pela especialista em educação indígena Maria Elisa Ladeira, que trabalhou metodologias participativas de pesquisa junto aos jovens, professores e gestores indígenas.

Maypatxi Apurinã, 23 anos, atual secretária-executiva da OPIAJ, conta que a pesquisa de cultura e meio ambiente foi elaborada e aplicada por eles mesmos, após uma capacitação para a produção do questionário e o detalhamento metodológico. “Durante a capacitação, nós levantamos os falantes de todas as terras indígenas base da OPIAJ, com o apoio dos professores indígenas. A partir desse material, decidimos quais aldeias visitar, desde aquelas que tem fluentes na língua Apurinã, até as aldeias em que já não se fala a língua materna”, explica. Eles se dividiram em duas equipes formadas por membros da Coordenação Executiva da OPIAJ e estudantes indígenas e foram para campo: “Eu estive em uma das equipes e pude perceber que as aldeias com falantes se sentiram valorizadas e encorajadas a manter a nossa língua, a realizar as nossas festas, nossos cantos, danças e registrar nossas histórias.”

Ela conta ainda que as aldeias com poucos ou nenhum falante tiveram a chance de refletir conjuntamente os motivos que levaram a essa situação, o preconceito que enfrentado e pensaram juntos estratégias coletivas para reverter essa triste realidade. “A visita às aldeias serviu para levantarmos dados qualificados e atuais sobre a cultura Apurinã e também para alertar as comunidades com relação a importância da manutenção dos nossos modos de vida tradicionais. Os jovens que participaram da pesquisa se sensibilizaram sobre a importância dos Totys, como chamamos nossos anciãos. Temos clareza que precisamos valorizar esses guardiões da nossa cultura, e vamos direcionar esforços para elaborar projetos que viabilizem intercâmbios de conhecimento entre as gerações e as aldeias”, esclarece.

Equipe de jovens pesquisadores Apurinã a caminho das terras indígenas.

A secretária-executiva da OPIAJ ainda agradeceu a parceria possibilitada pelo Projeto Nossa Terra, que, segundo ela, deu a chance de conhecer muitas aldeias às quais nunca tinham ido, proporcionando uma oportunidade de estar com a base: “Foi uma oportunidade marcante, em que pudermos ter consciência da riqueza de conhecimentos que temos nos nossos territórios tradicionais – que, de fato, estão ameaçados. Essa atividade aproximou muito a juventude da associação. O que queremos nessa gestão é dar oportunidade que outros jovens experimentem o que eu vivenciei. Só assim iremos fortalecer a nossa cultura”.

Capacitação de jovens e manutenção das tradições

A OPIAJ conta com uma gerência de juventude, a GEIP, fundada em 2011. Esta é responsável por acolher e organizar os estudantes indígenas no município de Pauini. Nas aldeias da base da OPIAJ só é oferecido o ensino até o quinto ano do Ensino Fundamental e não há oferta para o Ensino Médio. Dessa forma os jovens indígenas têm de migrar para a cidade para continuar seus estudos. É o que explica Manupa Apurinã, 25 anos, ex-gerente da GEIP e atual tesoureira da coordenação executiva da OPIAJ.

“Quando o jovem chega na cidade, ele encontra uma realidade totalmente diferente das aldeias. Isso afeta a manutenção dos modos de vida tradicionais, impacta a nossa alimentação, a nossa moradia e desencoraja o uso da língua materna. Com tantos obstáculos e sem apoio financeiro, muitos jovens desistem de sua formação”, explica. Ela conta ainda que a OPIAJ está organizada para enfrentar esse cenário e buscar projetos que aproximem a juventude da associação, que capacitem os estudantes, incentivando não só a conclusão do ensino formal básico, mas também manutenção dos costumes e a qualidade de vida nos territórios tradicionais.

Ainda no âmbito desse projeto, 35 indígenas foram capacitados em boas práticas de coleta de castanha-da-Amazônia, o produto florestal não madeireiro mais importante do Brasil e abundante na região. “Apoiar alternativas econômicas sustentáveis é de extrema importância para favorecer a permanência nas aldeias e a manutenção do modo de vida tradicional”, esclarece Edison Bulhões, vice coordenador da OPIAJ.

“A comercialização de castanha, açaí, frutas nativas, farinha e artesanato devem ser encorajados dentro das comunidades indígenas. A ideia da oficina de boas práticas veio para atender a uma demanda de melhoria da produção indígena. Foi apenas um pequeno incentivo que foi muito bem recebido pelas comunidades e precisa ser desenvolvido nos próximos projetos”, completa.

Organização interna

O coordenador Wallace Apurinã explica ainda que, além da GEIP, a OPIAJ conta com a Gerencia de Mulheres Indígenas, GMAI, que estava inativa e foi recuperada na última assembleia e tem como gerente Darcilene Avelino: “Estamos muito entusiasmadas com o fortalecimento da gerência de mulheres da OPIAJ. A atuação das mulheres na luta pelos direitos dos povos indígenas é fundamental”, disse.

Darcilene falou também sobre a participação da associação em outros espaços de luta e reivindicação de direitos. “Estamos buscando mais conhecimento para participação de instâncias de governança e melhor gestão de nossos territórios. A Primeira Marcha das Mulheres Indígenas contou com a nossa participação, possibilitada pela parceria com IEB, OPAN e Usaid, que estão contribuindo com a qualificação das mulheres indígenas do Sul do Amazonas. Temos grandes expectativas em captar recursos para o desenvolvimento desse trabalho iniciado no projeto USTAMANERY.”

 

Sobre o Nossa Terra

O Projeto Nossa Terra é uma iniciativa que busca fortalecer associações indígenas para a implementação da PNGATI. Com o apoio da USAID e em parceria com a OPAN, o Projeto Nossa Terra atua para promover a gestão territorial integrada no Sul do Amazonas, por meio da criação de uma rede de organizações e atores governamentais e da sociedade civil comprometidos com a implementação da PNGATI na região. Através da concepção e execução de um Programa de Pequenos Projetos, o Nossa Terra capacita e assessora as organizações indígenas na elaboração e execução de projetos para a proteção e gestão sustentável de suas terras, além de fortalecer as organizações indígenas para a governança e implementação da PNGATI e na aplicação de seus instrumentos de gestão.