IEB apoia regularização de quase 10 milhões de hectares para populações tradicionais do Amazonas

Foto: Renata Padovan/RETA, 2021

Dia histórico garante Concessão do Direito Real de Uso Coletivo para 16 territórios

Em um momento desfavorável para as populações tradicionais da Amazônia, que enfrentam a perda de direitos em meio ao avanço do desmatamento e da grilagem de terras, o dia 17 de março foi histórico. Quase 10 milhões de hectares na região sul do Amazonas foram regularizados, garantindo a mais de 20 mil pessoas  de 16 territórios o direito básico às terras onde vivem.

Em solenidade realizada em Manaus, foram assinados e entregues pelo governador do estado do Amazonas, Wilson Lima, os Termos de Concessão do Direito Real de Uso Coletivo (CDRU) para as associações de 14 unidades de conservação estaduais e dois Territórios de Uso Comum (TUC), uma inovação na aplicação da legislação fundiária, que reconhece direitos territoriais de populações tradicionais que vivem fora de áreas protegidas.

Maria Cléia Delgado Campina assina o Termo de Concessão de Direito Real de Uso Coletivo da CAARIM

 

Maria Cléia Delgado Campina mostra o Termo de Concessão de Direito Real de Uso Coletivo da CAARIM

“A nossa luta no rio Manicoré vem de 15 anos, por conta das invasões de terra, exploração de madeira ilegal, pesca predatória e desmatamento”, conta Maria Cléia Delgado Campina, presidenta da Central das Associações Agroextrativistas do Rio Manicoré (CAARIM), um dos territórios contemplados. “O CDRU significa toda a documentação de um perímetro que, de amanhã em diante, passará ao domínio da CAARIM e a toda a população do rio Manicoré”, explica.

A emissão dessas CDRUs é um marco na luta pela terra no Amazonas, mas a assinatura dos documentos pelo governo do estado é apenas um ato dentro de um longo processo de resiliência e parceria entre as comunidades beneficiadas, o IEB, o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Ministério Público Federal no Amazonas (MPF-AM) e a Procuradoria Geral do Estado do Amazonas (PGE-AM).

 

“O CDRU significa toda a documentação de um perímetro que, de amanhã em diante, passará ao domínio da CAARIM e toda a população do rio Manicoré”.

A parceria entre esses atores se dá por meio do Fórum Diálogo Amazonas (FDA). O FDA foi criado em 2012, fruto da mobilização do IEB, CNS e CPT para enfrentar questões fundiárias históricas de populações tradicionais do Amazonas, reunindo em uma única mesa de negociação os órgãos responsáveis e as lideranças comunitárias mobilizadas, e articuladas em relação aos seus direitos e demandas territoriais.

Até esta quinta-feira, 17/03, o Fórum já havia possibilitado a regularização de 2,5 milhões de hectares em 10 Unidades de Conservação federais no sul do Amazonas. Com as novas CDRUs, o número chega a 11,8 milhões de hectares em 26 territórios, beneficiando 27.114 pessoas.

Mapa das CRDUs emitidas no âmbito do Fórum Diálogo Amazonas. Elaboração: Pablo Galeão, IEB.

[Para se aprofundar na origem do Fórum, faça aqui o download do  documento “Fórum Diálogo Amazonas: regularização fundiária urgente!”]

TERRITÓRIOS DE USO COMUM (TUCs)

A rodada de regularização desta quinta é uma vitória não só pela garantia da terra, mas também pela característica de alguns dos territórios regularizados. Até então, apenas populações residentes em Unidades de Conservação (UCs) tinham os direitos territoriais reconhecidos por meio de CDRUs. Pela primeira vez esse direito se estende àquelas que vivem fora de UCs.

A regularização de terras fora de áreas protegidas com CDRUs coletivas é uma inovação na aplicação da legislação fundiária também por outro motivo: a forma habitual de regularizar estas áreas comumente é feita por meio de concessões de uso individuais. O problema é que esse tipo de regularização deixa de fora áreas de uso comum fundamentais para a manutenção do modo de vida das comunidades tradicionais, como os açaízais, castanhais e áreas de pesca.

Território de Uso Comum Rio Manicoré, agora regularizado. Foto: Renata Padovan/RETA, 2021

Nesse contexto, o uso do conceito de Territórios de Uso Comum (TUC) para regularização fundiária de populações até então invisibilizadas foi amplamente discutido no FDA e finalmente incluído na lei de terras do Estado em 2021, englobando formas de uso tradicionais dessas comunidades. Até então, populações tradicionais residentes em comunidades fora de áreas protegidas estavam sob maior risco e insegurança jurídica, pela inexistência de garantias formais de domínio ou da posse da terra, fossem elas áreas de terra firme, mais interiorizadas, ou as várzeas, amplamente habitadas.

“Isso é fruto de muita insistência”, conta Pablo Galeão, coordenador-adjunto do programa de Ordenamento e Governança Territorial na Amazônia do IEB. “Essas pessoas não desistiram da luta nem mesmo nos tempos mais sombrios. Hoje temos o reconhecimento do direito à terra daqueles que moram em Unidades de Conservação, mas também o lançamento de novas iniciativas para reconhecimento de populações tradicionais que estão fora das áreas protegidas, dando novos usos a velhos instrumentos de política pública. Um trabalho árduo do IEB, mas também de muitas lideranças comunitárias teimosas, órgãos públicos resilientes e parceiros valorosos que não largam as mãos uns dos outros”.

Representantes dos territórios contemplados celebram a conquista junto ao Procurador do Estado Daniel Viegas, após assinaturas das CDRUs

Para Marilurdes Cunha da Silva, ex-presidente e atual diretora da CAARIM,  a conquista é fruto do empenho, da articulação e da parceria nesse processo.

“ Gostaria de agradecer a todos os parceiros que estiveram e estão junto conosco.. Muito obrigado pelo empenho e união nessa parceria….. Para mim é uma emoção muito grande. Estou feliz. Estou chorando de felicidade com essa grande benção, essa grande vitória, porque nenhum de nós desistiu”, se emociona.

“Estou feliz. Estou chorando de felicidade com essa grande benção, essa grande vitória, porque nenhum de nós desistiu”

Uma vitória mais antiga fruto do FDA e que também está incluída nessas novas CDRUs é a definição das concessões de direito real de uso por tempo indeterminado. Nas primeiras CDRUs emitidas por meio do trabalho do FDA, o prazo de concessão era válido por apenas cinco anos, gerando insegurança para os contemplados com o documento da terra. Atualmente, aqueles territórios regularizados já contam com a documentação por tempo indeterminado, assim como os regularizados nesta quinta e os próximos que virão.

Território de Uso Comum Rio Manicoré. Foto: Murilo Pajola/RETA, 2021

MAIS TUCs À VISTA

Após a assinatura dos termos de CDRU desses 16 territórios na quinta-feira, há expectativa de que novas áreas no Amazonas sejam regularizadas nos próximos meses.

No âmbito do FDA, o IEB vem trabalhando junto aos parceiros com o conceito de TUCs no município de Tefé, onde foi realizada uma plenária regional em dezembro de 2021. A documentação para regularização de toda uma área no entorno da Floresta Nacional de Tefé já foi encaminhada para a Procuradoria Geral do Estado e aguarda aprovação.

Plenária Regional do Fórum Diálogo Amazonas em Tefé, realizada em dezembro de 2021. Foto: Satya Caldenhof/IEB.

Para Dione Torquato, secretário-geral do CNS e filho da região de Tefé, a CDRU é o início de novos tempos de conquista de direitos, ainda que a luta por reconhecimentos territoriais mais sólidos continue.

“Acho que os TUCs nos cutucam para uma nova disputa de narrativas de proteção sobre o direito dos territórios. Acho que isso vai nos dar subsídios inclusive para que a gente reconheça outros territórios para além desses iniciais. Não [significa] que deixaremos a luta pelo reconhecimento das reservas extrativistas, mas reconhecemos que, em um momento como esse, já é um grande avanço termos a Concessão de Direito Real de Uso”.

Oficina de mapeamento na comunidade de Esperança, região de Manicoré. Foto: FGVces e IEB, 2022
Oficinas de mapeamento na comunidade Deus é Pai, na região de Tefé, em agosto de 2021. Foto: Satya Caldenhof/IEB.

TERMOS DE CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO COLETIVO ASSINADOS

  • TUC Rio Manicoré
  • RDS Piagaçu-Purus
  • RDS Juma
  • RDS Rio Madeira
  • RDS do Mamirauá
  • RDS Rio Amapá
  • RDS Canumã
  • RDS Uacari
  • Floresta Estadual de Maués
  • RDS Cujubim
  • RDS Amanã
  • RDS Uatumã
  • RDS Rio Negro
  • Resex Canutama
  • Resex Catuá-Ipixuna

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