Arranjo Interinstitucional para a produção e comercialização da madeira na Reserva Extrativista Verde para Sempre, no Pará

  julho 19, 2018

A regulação da indústria da exploração madeireira e seus impactos socioambientais sobre os recursos florestais têm sido um tema central nas discussões sobre controle e combate ao desmatamento na Amazônia. A exploração predatória das florestas, sem utilização das técnicas de manejo florestal, provoca impactos severos em sua estrutura. Além disso, abre caminho para a ocupação humana desordenada e o estabelecimento de atividades extensivas de agricultura e pecuária.

Como alternativa para mudar esse cenário, sociedade civil e governo vêm, desde a década de 80, fomentando iniciativas de manejo florestal de uso múltiplo comunitário e familiar na Amazônia.

De acordo com Manuel Amaral, coordenador Executivo do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), o manejo florestal realizado por comunidades e famílias tem como objetivo proporcionar o uso múltiplo planejado e/ou a gestão do uso de produtos florestais por comunidades ou famílias locais. “A atividade pode ser classificada como uma atividade com potencial para integrar desenvolvimento local e conservação ambiental, partindo da premissa de que gere renda a partir da floresta em pé e fortaleça a gestão territorial e a governança florestal”, explica o coordenador.

É nessa perspectiva que se destaca o caso da luta das organizações sociais para o processo de criação e implementação da Reserva Extrativista (Resex) Verde para Sempre no município de Porto de Moz, no Pará.

Após a criação da Resex, em 2004, o território sofreu sérias ameaças socioambientais desencadeadas pela presença de grandes fazendeiros e madeireiros que impediam o processo de estabelecimento das ações de gestão dos recursos naturais. Na contramão do uso indiscriminado dos recursos naturais, Maria Creusa, representante do Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz (CDS) reforça que “as populações tradicionais têm se dedicado ao intenso trabalho de consolidação da Unidade de Conservação a partir da realização do manejo de recursos naturais e a implementação de planos de manejo para a exploração sustentável de madeira”.

Ana Carolina Vieira, coordenadora do Programa Florestas Comunitárias do IFT, afirma que o manejo florestal comunitário de uso múltiplo consolida a implementação da Unidades de Conservação de Uso Sustentável, reconhecendo os direitos de acesso e uso da natureza, possibilitando a geração de renda e ganhos sociais para as populações tradicionais. Além disso, o manejo contribui com a defesa do território pelas populações, diminuindo as pressões externas pelos recursos naturais e com isso a redução da degradação desses recursos e ampliação da conservação ambiental.

Manejo Florestal Comunitário na Resex Verde para Sempre

Em 2007, a comunidade de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro do Rio Arimum, por meio da Associação de Desenvolvimento Sustentável do Rio Arimum (ASCDESRA), iniciou a implementação do plano de manejo florestal comunitário com uma área de 4.355 hectares. A comunidade já explorou as Unidades de Produção Anual (UPAs) 1, 2, 3, 4 e 5 nos anos de 2007, 2011, 2012, 2014 e 2017 respectivamente. A última safra foi comercializada pela Cooperativa Mista Agroextrativista Nossa Senhora do Perpetuo Socorro (COOMNSPRA) e já conta com o selo de certificação florestal FSC, que proporcionou melhoria nos procedimentos de manejo, relacionamento social, na infraestrutura e adequação da legislação trabalhista, entre outros.

No final de 2015, mais 5 planos de manejo florestal foram aprovados na Resex, dessa vez foram as comunidades de Paraíso, Por Ti Meu Deus, Ynumbi, Espírito Santo e Itapéua totalizando uma área de 40.602 ha licenciados para o manejo comunitário.

A área de manejo das 6 comunidades executoras do PMFS é de 44.835 ha, aproximadamente 3% da área total da Resex Verde para Sempre. A capacidade de produção anual média desses planos é de 13 a 20 mil m³/ano. ”Esse avanço contribui com a mudança de cenário da exploração florestal do município de Porto de Moz e região que tem a atividade florestal predatória marcada no histórico de seu desenvolvimento” ressalta Ana Carolina do IFT.

Para Katiuscia Miranda, coordenadora de Projetos do IEB, a formalização dos planos de manejos na Resex permite que as comunidades explorem os recursos florestais de maneira sustentável e legal. “Porém, traz um desafio enorme para as comunidades e organizações locais, exigindo delas um outro patamar de organização com vistas à consecução do MFCF, enquanto negócio florestal sustentável”, enfatiza.

Para superar os desafios de estabelecer o manejo florestal comunitário, as comunidades contam com apoio de diversas organizações, além do CDS, IEB, IFT, atuam no território o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Universidade Federal do Pará (UFPA), Serviço Florestal Americano (USFS) e Climate and Land Use Alliance (CLUA). A partir desse arranjo interinstitucional, constituiu-se na Resex um ambiente ideal para a produção e comercialização da madeira legal oriunda dos 6 planos de manejo.

O arranjo, proporcionou a constituição de um Grupo, denominado Grupo de Gestão Florestal, composto pelas organizações, representantes da COOMNSPRA e das associações detentoras dos planos de manejo. Jones Santos, presidente da cooperativa do Arimum, reforça que: “a constituição do arranjo foi importante para alavancar a ação das comunidades, uma vez que tem proporcionado momentos coletivos de planejamento e diálogo entre as comunidades e os parceiros”. Além disso, Manoel Batista, da associação comunitária Deus Proverá, complementa que “possibilitou alavancagem de recursos financeiros com a vinda do TED o qual foi fundamental para que as comunidades tivessem uma renda melhor esse ano”.

O TED, a qual se refere seu Manoel, é um Termo de Execução Descentralizada, firmada entre o SFB e UFPA em dezembro de 2016, que destinou um recurso de R$ 800 mil para apoiar na colheita florestal e no fortalecimento organizacional das comunidades. Para Cristina Galvão, Coordenadora de Fomento e Inclusão Florestal do Serviço Florestal Brasileiro, a oportunidade de fomentar o MFC na RESEX Verde para Sempre, oferecendo capital de giro para execução das atividades exploratórias buscou cumprir uma lacuna de apoio financeiro que estava faltando para alavancar o início da safra em diversas comunidades da RESEX Verde para Sempre. “Embora o aporte financeiro do SFB tenha sido para o custeio destas primeiras safras madeireiras, nosso interesse institucional é contribuir com o arranjo institucional como um todo, e sobretudo em promover um processo de autonomia e auto gestão para o manejo florestal a ser realizadas pelas organizações comunitárias”.

Para isto, o SFB tem acompanhado o conjunto das atividades florestais e de gestão, trazendo sugestões quanto a importância da oferta continuada de assistência técnica na área florestal, gerencial e contábil, dentro de um processo de formação de capacidades junto as comunidades. Muito mais que oferecer um capital de giro, a participação do SFB neste arranjo institucional busca criar com o ICMBio, o IFT, o IEB e com as organizações comunitárias um espaço e uma oportunidade de se gerar resultados e experiências que sejam capazes de pautar o desenvolvimento de métodos de oferta de assistência técnica e capacitação que favoreçam a autonomia das comunidades em fazerem a gestão de suas florestas, assegurando a conservação ambiental aliada a geração de trabalho e renda, valorizando também o protagonismos de mulheres e jovens.

Resultados

Os resultados obtidos com a safra florestal ainda não representam o máximo potencial de produção possível de ser alcançado. Porém, é necessário levar em consideração números que apontam a grandiosidade do território e os desafios de estabelecer o manejo florestal na Resex. Trata-se da maior UC da Amazônia e a que possui o maior número de PMFS licenciados, beneficiando cerca de 350 famílias com a atividade.

Destacam-se como importantes resultados a constituição do grupo de gestão florestal, responsável pelo planejamento das etapas operacionais e da comercialização da produção. O grupo propicia momentos de diálogo para a negociação e formalização dos contratos de compra e venda da madeira com uma empresa madeireira legalizada, rompendo um ciclo histórico de venda de madeira ilegal na região. Para João da Mata, diretor do ICMBio, a articulação entre diferentes organizações alcançou um feito importante para o manejo florestal comunitário em UCs. “Foi colocado no mercado aproximadamente 8,5mil m³ de madeira legal, explorada de forma sustentável e proporcionando retornos econômicos e sociais para as comunidades envolvidas”, defende João.

Desafios

Apesar dos importantes avanços conquistados esse ano, muito ainda precisa ser feito para consolidar efetivamente o MFCF na Resex. Conforme colocado por Evandro Medeiros, presidente da associação comunitária de Itapéua, “existe um grande desafio para execução do TED pois o recurso vem para a comunidade em forma de reembolso e nós temos dificuldade em conseguir o recurso inicial necessário para começar a exploração”. Hoje, um dos principais gargalos do MFCF é “justamente ter capital de giro para realizar as etapas inicias do plano de manejo diminuindo a dependência das organizações do recurso proveniente do adiantamento da empresa madeireira e aumentando sua autonomia na gestão da produção”, afirma Maria Creusa do CDS. Para tentar resolver esse problema, além de buscar continuidade das parcerias atuais, as organizações comunitárias foram orientadas a destinar 50% da receita líquida da venda dessa safra para custeio da safra seguinte.

Outro desafio ainda a ser superado é o aumento da maturidade organizacional desses empreendimentos para realizar a gestão do negócio florestal. Nas comunidades da Resex, por exemplo, primeiro avançou-se na elaboração e aprovação dos planos de manejos e só depois, quando as organizações estavam com a autorização para exploração (Autex) em mãos, é que foi iniciado o trabalho de fortalecimento organizacional e direcionado para a comercialização da produção.

Isso, na avaliação de Katiuscia Miranda, do IEB, “tem dificultado a efetividade das ações de desenvolvimento organizacional, pois, instrumentos básicos da gestão como regimento interno do plano de manejo, organização das equipes de trabalho, papel da diretoria e equipes de trabalho, remuneração do trabalho, etc. precisaram ser concebidos no mesmo momento da colheita florestal e da busca de mercado, ou em alguns casos aconteceu depois de iniciar o trabalho”. Por conta disso, para a próxima safra torna-se necessário pensar uma lógica diferenciada de atuação, estabelecendo primeiro os instrumentos de gestão e preparando melhor o empreendimento para as etapas seguintes de produção e acesso à mercado.

Para as organizações da sociedade civil envolvidas no arranjo da Resex, é necessário continuar reforçando o protagonismo das comunidades e para isso tem feitos esforços na captação de recursos, bem como na expansão dos resultados para outras comunidades na Amazônia. Por conta disso, elas compõem também o Observatório do Manejo Florestal Comunitário, uma iniciativa de articulação e diálogo de organizações da sociedade civil, ensino e pesquisa em prol do fortalecimento do MFCF no Pará.

Sobre o CDS

O Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz – CDS, é uma entidade sem fins lucrativos criada no ano de 2002 para trabalhar em prol das comunidades rurais do município de Porto de Moz. O principal enfoque foi a organização das comunidades rurais com a criação de associações comunitárias. O resultado do empenho do CDS foi a criação da Reserva Extrativista Verde para Sempre em 2004. Após a criação da RESEX o Comitê apoiou na regularização fundiária nas terras que não fazem parte da RESEX.

Sobre o IEB

O Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) é uma organização sem fins lucrativos, fundada em 1998. Ao longo de sua trajetória, a instituição dedica sua abordagem para a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais com base no fortalecimento de lideranças e organizações comunitárias. Desde 2003, por meio de seu Programa de Manejo Florestal Comunitário tem realizado ações de capacitação, assessoria técnica e articulação com vistas ao aumento da governança florestal em áreas de florestas comunitárias a partir do fortalecimento de processos locais e do desenvolvimento organizacional dos empreendimentos comunitários.

www.iieb.org.br

Sobre o IFT

O IFT é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) com foco em questões florestais que atua na Amazônia há mais de 20 anos. Oferece experiência prática in loco, além de um relevante acervo teórico para aplicação de técnicas de Manejo Florestal com Exploração de Impacto Reduzido (MF-EIR). O público, em geral, são agentes do governo, trabalhadores da indústria madeireira, comunidades, produtores rurais familiares, estudantes de escolas técnicas e universidades, além de tomadores de decisão de diversas esferas. Com a experiência adquirida no desenvolvimento de inúmeros projetos na Amazônia, o IFT concentra esforços para apoiar iniciativas de conservação ambiental, tanto no fortalecimento da organização social para a realização do manejo florestal comunitário, governança florestal interinstitucional para estabelecer efetivamente as cadeias de valores dos produtos florestais, quanto na capacitação e treinamento.

www.ift.org.br

Sobre o Observatório do Manejo Florestal Comunitário

É uma iniciativa que articula diversas organizações da sociedade civil, institutos de ensino, pesquisa e comunidades e tem como missão promover o manejo florestal, valorizando e garantindo os direitos e os modos de vida de agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais da Amazônia para a construção de um modelo de desenvolvimento ambientalmente sustentável, social e economicamente justo. Atualmente é composto pelas seguintes instituições: (i) Ongs e instituições de pesquisa e ensino: IFT, IEB, IPAM, IFPA e EMBRAPA; (ii) Organizações do movimento social: STTR Santarém e Portel, Malungo, Comitê de Desenvolvimentos Sustentável de Porto de Moz, Federação da Flona do Tapajós; e (iii) Organizações comunitárias: ATAA, RICA, ASMIPS, COOMNSPRA, COOMFLONA, ASMOGA, ACOGLEC, TAPAJOARA e LUPA.

www.observatoriomfcf.org.br/