Xingané: festa, celebração e resgate da cultura Apurinã

  julho 9, 2019

O kyynyry (ou xingané) é festa mais importante do povo Apurinã e, no último dia 29, a celebração teve um caráter especial: celebrar o encontro das famílias e aldeias do rio Seruini. Este ano a festa foi realizada pelas aldeias da Terra Indígena Seruini/Marienê, em Pauini (AM) como um momento de valorizar a cultura e fortalecer a união entre elas.

Para tanto, o rito cultural foi viabilizado através de uma proposta para o Fundo de Pequenos Projetos do Nossa Terra, que apoia iniciativas realizadas por organizações indígenas locais. Desta forma, os Apurinã do Seruini puderam atender a uma necessidade que eles mesmos constataram nos encontros da terra indígena, vendo no fortalecimento cultural uma ferramenta para a gestão adequada do território e do bem viver nas aldeias.

A festa explora e acessa os mais variados conhecimentos indígenas sobre o seu território e sobre a vida Apurinã, na medida em que é preciso conhecer as áreas de caça, pesca e de disposição das frutas para obter a comida necessária para a celebração, obter os cipós para fazer os paneiros onde as mulheres guardarão a carne moqueada, obter as palhas das saias para as apresentações.

É preciso conhecer também o jogo de composição de cores dos cocás, o tempo de amadurecimento das frutas, o ciclo da lua cheia para iluminar o terreiro durante a festa. Além disso, também é necessário dominar os passos das danças, conhecer o local onde vivem os cantores, sobre o que falam as músicas e ter o domínio da língua – que vem se restringindo a pouco falantes. É, essencialmente, uma forma de gestão do conhecimento da vida Apurinã.

Esse xingané foi de encontro, no caráter que a festa tem de reaproximar os parentes, de fazê-los reviver memórias do tempo passado, dos encontros e pertencimentos. É por isso que se destaca a história da dona Elza, a kyru mais velha hoje viva em Pauini. Ela nasceu em um local acima do antigo Posto Indígena Marienê e hoje mora na aldeia Cachoeira, na TI Peneri/Tacaquiri. Oficialmente com 106 anos, dona Elza acredita que há mais de 50 anos não voltava ao Seruini.

A kyru Elza Lopes Apurinã (Tunikepa) voltou ao Seruini acompanhada da neta, Antonia Julião, e da bisneta, Ágata.

Neste reencontro dela com o rio, as paradas nas aldeias foram regadas a muitos abraços, a muitos “abençoamentos” dos vários sobrinhos, dos netos, de filhos que ela criou ao longo da vida, de lembranças dos locais e das pessoas com ela conheceu no rio. Ela voltou ao Seruini acompanhada da neta, Antonia Julião, e da bisneta, Ágata, de 5 anos.

Com mais de 100 anos, não faltaram força e ânimo para cantar, em passos lentos e com uma voz suave, porém firme, fazendo a cobrinha pausar o seu ritmo para acompanhar os passos da kyru. Com sabedoria, ela puxou a dança e todos aprenderam com ela também sobre o tempo.

Nas palavras do seu Teixeira, cacique da aldeia Kamarapa, “o xingané é pra isso também, pra gente aprender”. Seu Teixeira falou da emoção que sentiu na última música, cantada na despedida dos parentes, como encerramento da festa, o fez lembrar-se de seu pai já falecido e que chorou enquanto dançava.

Dário Lopes Apurinã (Kakoyori) é cacique da aldeia Bom Jesus, organizadora da festa e foi um dos cantores do xingané. Depois que todos os convidados chegaram, seu Dário os chamou para uma conversa sobre a importância da festa para o povo Apurinã como um momento para que todos relembrassem o passado a fim de fortalecer os ensinamentos. Esse foi um momento também de agradecer pela colaboração de todos e de reconhecimento de que a manutenção da cultura viva é responsabilidade de todos os Apurinã.

Valorização da cultura e gestão territorial

Já há alguns anos as aldeias realizam o “Encontro do Seruini”, onde discutem e deliberam sobre assuntos internos e ações com instituições externas. Um dos temas destacados como desafio para as aldeias tem sido a valorização da cultura por meio da realização do kyynyry, razão pela qual a festa foi tão esperada e contou com o envolvimento de todas as aldeias.

A atividade foi viabilizada pelo Programa de Pequenos Projetos, que faz parte do Projeto Nossa Terra: Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas do Sul do Amazonas, executado pelo IEB em parceria com a OPAN com apoio da USAID. Os projetos promovem a melhoria na qualidade de vida dos indígenas que formam a base da FOCIMP, OPIAJ, OPIAJBAM, APITIPRE, APIJ, APITEM e OPIPAM das calhas dos rios Purus e Madeira.

O Nossa Terra apoia a gestão das terras indígenas no Sul do Amazonas por meio da geração de alternativas econômicas sustentáveis, da proteção territorial, da recuperação ambiental e do fortalecimento dos modos de vida tradicional para a redução do desmatamento e o equilíbrio do clima. Desde o início do projeto, em setembro de 2016, as associações indígenas da região vêm demonstrando potencial cada vez maior para gerir com autonomia seus próprios projetos.