Comunidades indígenas e tradicionais do sul do Amazonas celebram o lançamento de 13 protocolos de consulta em Brasília e Manaus

Lideranças indígenas e tradicionais celebram o lançamento dos Protocolos de Consulta.

Entre o final de julho e o início de agosto de 2024, comunidades indígenas e tradicionais do sul do Amazonas celebraram um marco importante na defesa de seus direitos. Foram lançados 13 protocolos de consulta em eventos realizados em Brasília e Manaus, abrangendo 15 territórios localizados na região conhecida como “arco do desmatamento”. Esses documentos, elaborados ao longo de quatro anos, seguem as diretrizes da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, e visam assegurar o direito à consulta livre, prévia e informada sobre qualquer medida que possa afetar esses territórios.

O lançamento dos protocolos ocorreu em duas etapas. A primeira, no dia 30 de julho, aconteceu na sede do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), em Brasília, enquanto a segunda foi realizada em 2 de agosto, no Palacete Provincial, em Manaus. Os eventos reuniram autoridades, representantes do governo federal, do Ministério Público, organizações parceiras e membros de movimentos sociais, destacando a importância da implementação desses protocolos e o compromisso em apoiar as comunidades na defesa de seus direitos.

Esses protocolos foram elaborados com o objetivo de garantir que as decisões que impactem os territórios indígenas e tradicionais  da região, sigam as normas estabelecidas pela Convenção 169 da OIT. Ao consolidarem essas regras, as comunidades fortalecem sua posição de defesa contra pressões externas e reafirmam sua soberania e autodeterminação sobre a região.

Toda a escrita dos conteúdos desses protocolos se consolidou à partir de um processo participativo, iniciado em 2020, com a colaboração direta de lideranças indígenas e tradicionais, pesquisadores e organizações da sociedade civil. Reuniões realizadas nos próprios territórios, mesmo durante a pandemia, permitiram que as comunidades discutissem a importância desses documentos para a proteção de seus direitos. Essas reuniões funcionaram como oficinas de mobilização e conscientização, destacando a necessidade de garantir que as consultas sejam livres, prévias, informadas e realizadas de boa fé.

Os protocolos representam, portanto, mais do que um instrumento legal; são símbolos da resistência e da determinação das comunidades em manter o controle sobre suas terras e recursos naturais nas áreas de influência desses documentos. Eles asseguram que qualquer ação ou empreendimento que possa impactar esses territórios seja submetido a um processo de consulta que respeite as tradições e culturas locais, garantindo que as decisões sejam tomadas com a plena participação e consentimento das comunidades.

Cacique Adamor de Lima Leite, liderança indígena Mura do Lago Capanã Grande, enfatizou que as comunidades exigem não apenas serem consultadas, mas também que suas palavras sejam respeitadas e consideradas nas decisões. Silvia Elena Batista, Secretária de Direitos Humanos do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), destacou que a organização dos protocolos fortalece as lutas dessas comunidades, acrescentando uma camada extra de proteção. Alcinei França, presidente da Associação de Moradores Agroextrativistas da Comunidade de Braço Grande (AMACBG), reforçou que esses documentos são fundamentais para garantir que os direitos das comunidades sejam respeitados em todas as esferas governamentais.

União e resistência contra as pressões externas

Os protocolos de consulta, além de serem instrumentos legais, representam símbolos de resistência e resiliência para as comunidades indígenas e tradicionais do sul do Amazonas. Maria Cleia Delgado, presidente da Central das Associações Agroextrativistas do Rio Manicoré (Caarim), classificou os protocolos como uma vitória significativa: “Agradeço a Deus, ao IEB e ao CNS pelo apoio contínuo, mesmo com todos os desafios enfrentados durante a pandemia para a construção desses protocolos de consulta”.

Daiane Tenharim, liderança indígena, referiu-se à região como o “arco da resistência”, em contraposição ao “arco do desmatamento”. Ela destacou a importância dos protocolos para proteger os territórios contra pressões externas: “Esses protocolos representam muito. Não só para os povos indígenas, mas também para as comunidades tradicionais”.

Cacique Marino Apurinã, de Tapauá, enfatizou que o protocolo de consulta é uma “ferramenta essencial para a proteção dos direitos dos povos indígenas”. Ele relembrou que, em tempos passados, a luta pelo território era travada fisicamente, mas que agora os direitos são garantidos através dos protocolos.

Os protocolos foram desenvolvidos de maneira participativa, com o envolvimento de lideranças indígenas e tradicionais, movimentos sociais e organizações da sociedade civil, como o CNS, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e o IEB. “Nosso protocolo está feito. Nós temos nossa flecha, nós temos nossa arma, o arco. Hoje nós temos o direito”, afirmou Cacique Marino.

 

Nova camada de proteção Contra velhos desafios

O lançamento dos protocolos de consulta representa um marco significativo, trazendo novas oportunidades para as comunidades indígenas e tradicionais do sul do Amazonas. Esses protocolos fortalecem a capacidade dessas comunidades de negociar em pé de igualdade com governos e empresas, assegurando que suas vozes sejam ouvidas em decisões que impactem diretamente seus territórios. Ao estabelecerem suas próprias regras, essas comunidades se tornam protagonistas na defesa de seus direitos e na preservação de suas culturas e territórios. Os protocolos, além de serem instrumentos legais, simbolizam a resistência e a autodeterminação dessas populações.

Raimundo Gracimar Batista, presidente da Associação de Moradores do Projeto de Assentamento Agroextrativista da Comunidade de São José do Cumã (AMPAM), vê nos protocolos uma ferramenta de proteção dos territórios contra ameaças crescentes, como as invasões de grileiros facilitadas  construção de ramais ao longo da  BR-319. Que tem elevado os índices de desmatamento e a destruição de recursos naturais da região, como castanhais, seringais e açaizais, que são fundamentais para a subsistência e a cultura das comunidades.

Gracimar destacou que essas invasões não apenas comprometem o meio ambiente, mas também trazem sérios riscos à segurança e ao modo de vida das populações locais, enfatizando a importância dos protocolos como instrumentos que vão garantir às comunidades consultas antes de qualquer decisão que afete seus territórios. No entanto, ele também expressou preocupação quanto ao respeito e à implementação efetiva desses protocolos pelas autoridades competentes.

 

Próximos passos: divulgação, fortalecimento e apropriação dos protocolos pelas comunidades

 

Rodadas de divulgação dos protocolos já foram realizadas em Brasília e Manaus, mas é muito importante agora estabelecer uma agenda de incidência política, apresentando os protocolos a órgãos públicos em diferentes níveis, especialmente nos municípios. Esse trabalho é essencial para garantir que as autoridades locais e federais também respeitem e apliquem as diretrizes estabelecidas pelos protocolos.

Com o lançamento dos protocolos de consulta, as comunidades agora têm o desafio de garantir que esses documentos sejam amplamente conhecidos e efetivamente implementados. Os próximos passos envolvem a divulgação dos protocolos entre as próprias comunidades para que todos compreendam sua importância e saibam como utilizá-los na prática. Esse processo inclui a realização de atividades de formação e educativas em escolas, reuniões comunitárias e outros espaços de encontro, garantindo que todos, desde os mais jovens até os mais velhos, estejam cientes de seus direitos e como defendê-los.

Essa fase pós-lançamento é fundamental para assegurar que os protocolos de consulta não sejam apenas documentos formais, mas ferramentas vivas de resistência e autodeterminação para as comunidades indígenas e tradicionais do sul do Amazonas. O fortalecimento contínuo desses instrumentos depende da apropriação pelos próprios moradores, que precisam estar prontos para exigir que seus direitos sejam respeitados em qualquer decisão que afete seus territórios.

Protocolos de consulta disponíveis para download

Os arquivos digitais dos protocolos de consulta estão disponíveis para download, para acessar basta clicar na imagem da capa e você será direcionado para a página de download da biblioteca do IEB.

 
Protocolo de consulta da Terra Indígena Tenharim Marmelos
11 SEPOTI
Protocolo de Consulta do Povo Tenharin da Terra Indígena Sepoti
Protocolo de consulta do Povo Parintintin das Terras Indígenas Nove de Janeiro e Ipixuna
Protocolo de consulta do Povo Parintintin das Terras Indígenas Nove de Janeiro e Ipixuna
Protocolo de consulta do Povo Mura e Munduruku
Protocolo de consulta do Povo Mura e Munduruku
Protocolo de Consulta dos Povos
Kagwahiva do Sul do Amazonas
Protocolo de Consulta dos Povos Kagwahiva do Sul do Amazonas
Protocolo de consulta da Terra Indígena Juma
Protocolo de consulta da Terra Indígena Juma
Protocolo de consulta do povo Tenharin do Igarapé Preto
Protocolo de consulta do povo Tenharin do Igarapé Preto
Protocolo de consulta do Povo Apurinã das Terras Indígenas Apurinã do Igarapé São João e Apurinã do Igarapé Tawamirim
Protocolo de consulta do Povo Apurinã das Terras Indígenas Apurinã do Igarapé São João e Apurinã do Igarapé Tawamirim
Protocolo de consulta do Povo Indígena Pain Jiahui
Protocolo de consulta do Povo Indígena Pain Jiahui
Protocolo de Consulta
DAS COMUNIDADES DO TERRITÓRIO
DO PROJETO DE ASSENTAMENTO
AGROEXTRATIVISTA JENIPAPO
Protocolo de Consulta das Comunidades do Território do Projeto De Assentamento Agroextrativista (PAE) Jenipapo, Manicoré-AM
Protocolo de Consulta
DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS
DO TERRITÓRIO DO LAGO DO CAPANÃ
GRANDE, MANICORÉ-AM
Protocolo de Consulta das Comunidades Tradicionais do Território do Lago do Capanã Grande, Manicoré-AM
Protocolo de Consulta
DA RESERVA DE DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL DO RIO AMAPÁ
Protocolo de Consulta da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Amapá, Manicoré-AM
01 - PROTOCOLO_RIO_MANICORE copiar
Protocolo de Consulta do Território de Uso Comum (TUC) Do Rio Manicoré e Terra Indígena Rio Manicoré, Manicoré-AM

Os protocolos integram as ações do  Projeto de Salvaguardas Sociais e Planejamento Territorial no Corredor da BR-319, apoiado pela Fundação Gordon & Betty Moore. Essa iniciativa visa capacitar lideranças de povos indígenas e comunidades tradicionais, fortalecendo suas ações de defesa de direitos e gestão territorial.

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