Populações Tradicionais do Cerrado e Pantanal Desenvolvem Plano de Ação Socioambiental na Inauguração do Projeto Enraíza, em Brasília

O projeto é uma iniciativa do IEB e está sendo executado em parceria com a Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (SNPCT) do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA)

O Cerrado e o Pantanal são muito conhecidos pelas paisagens deslumbrantes, belas cachoeiras, rios, lagos, araras e onças-pintadas que compõem seus cenários. No entanto, o que muita gente esquece, é que esses dois biomas se destacam não apenas pela vasta biodiversidade, mas também pela sabedoria e riqueza dos povos e comunidades tradicionais que os habitam. Quilombolas, pescadores, ribeirinhos, extrativistas, agricultores familiares e outros povos tradicionais não só vivem nessas regiões há séculos, como também desempenham um papel fundamental como guardiões de seus rios, nascentes, solos, flora e fauna.

Foi com um olhar atento sobre esses dois territórios e os povos e comunidades tradicionais que os habitam que foi realizada, nos dias 29 e 30 de julho, a “Oficina de Fortalecimento de Organizações Comunitárias do Cerrado e Pantanal“. O evento reuniu 35 representantes de quatro organizações dos dois biomas em Brasília, marcando a inauguração do Projeto Enraíza: Raízes do Cerrado e Pantanal.

O projeto é realizado pelo Instituto de Educação do Brasil (IEB), em parceria com a Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (SNPCT) do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e conta com a participação de quatro organizações comunitárias: a Associação Quilombo Kalunga (AQK), a Associação Comunitária dos Artesãos e Pequenos Produtores de Mateiros (ACAPPM), a Associação dos Produtores e do Meio Ambiente do Sertão (Apromas) e a Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneira (RCTP). O objetivo é desenvolver e executar um plano de ação para gestão territorial, inclusão socioprodutiva e defesa de direitos dos PCTs, considerando as realidades e peculiaridades de cada uma dessas organizações e de seus territórios.

Durante os dois dias do evento, os participantes puderam se conhecer pessoalmente e debater as trajetórias e atuações de suas organizações, trocando perspectivas e experiências valiosas. Tiveram também a oportunidade de esclarecer dúvidas sobre o projeto, receber orientação na elaboração de seus planos de ação e discutir temas relacionados à governança e aos pactos coletivos para os próximos passos.

Representantes da organização Apromas Sertão compartilham suas histórias. Foto: Camila Behrens

Na abertura do evento cada participante se apresentou, identificou seu território em um mapa, compartilhou um problema de sua região e sugeriu uma possível solução.

Nilza, representante da Rede Pantaneira, se apresenta para a turma. Foto: Camila Behrens

Nilza, representante da Rede Pantaneira, desabafou durante sua apresentação:

“Tem gente dizendo que não há população tradicional no Pantanal só para justificar a construção de hidrovias, exploração e destruição. O Pantanal TEM, SIM, gente! Os pescadores, os ribeirinhos, os povos do Pantanal existem e estão passando dificuldade. Estão passando fome. Tudo isso porque as queimadas criminosas, o desmatamento, a seca estão dominando tudo.”

Como solução, Nilza apontou:

“Precisamos URGENTEMENTE reflorestar o Pantanal. Desde a queimada de 2020, nunca mais conseguimos nos recuperar. É seca e queimada o tempo todo. Criamos um viveiro devido ao fogo de 2020, mas ainda não está terminado. Precisamos de apoio e recursos. Sozinhos, está difícil. Precisamos de muita ajuda para expandir o viveiro e recuperar o Pantanal. Precisamos fornecer mudas para que os ribeirinhos e os povos tradicionais, que conhecem do Pantanal, possam trabalhar e recuperar as áreas destruídas. Não são aqueles que estão atrás do computador que vão resolver o problema da seca, do fogo e da escassez, não. São os que vivem no território.”

Durante o evento, os participantes levantaram uma série de problemas críticos enfrentados pelas comunidades tradicionais no Cerrado e no Pantanal. Entre os desafios mais destacados estão a vulnerabilidade socioambiental e a invisibilização de seus modos de vida, que resultam na perda de territórios e no avanço de modelos de desenvolvimento predatório. A degradação ambiental, a ausência de instrumentos eficazes de gestão territorial e ambiental, e as ameaças constantes aos modos de vida tradicionais também foram citadas, refletindo a complexidade e a urgência das questões enfrentadas por essas comunidades.

Cláudia de Pinho, Diretora do Departamento de Gestão Socioambiental e Povos e Comunidades Tradicionais, compartilhou em sua fala inicial:

“Eu confesso que fiquei ansiosa nos últimos dois dias para estar aqui, vendo vocês chegarem. Eu, que venho de movimentos sociais, agora nesta posição de gestora, sinto que o trabalho só faz sentido quando a gente pode ver o rosto de vocês aqui e fazer junto. Saber que a política pensada aqui, neste frio de Brasília, se aquece ao chegar nos territórios, com vocês que fazem toda a gestão e monitoramento do território… Para nós, é muito emocionante. Este é o nosso primeiro projeto com recurso orçamentário realmente nosso, então é com grande alegria que estamos aqui, desejando que com esse recurso, possamos receber vocês, ouvir vocês e trabalhar ao lado de vocês. Espero que este encontro renda bons frutos e fortaleça cada uma das quatro instituições envolvidas. O fortalecimento das instituições é um passo muito importante, porque, independentemente do governo, precisamos que as instituições da sociedade civil estejam fortalecidas. Queremos que um governo democrático continue apoiando os PCTs, mas, de qualquer forma, independentemente do que vier no futuro, quando as instituições de base estão fortalecidas, elas têm muito mais força para resistir e buscar seus direitos. Acreditamos nisso, e por isso estamos aqui. Gratidão!”

Claudia Pinho, à direita, compartilha suas opiniões e expectativas com a turma. Foto: Camila Behrens

Enraíza: Fortalecendo Comunidades Tradicionais e Preservando Biomas

O projeto Enraíza é uma iniciativa realizada pelo IEB em parceria com a Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (SNPCT), que visa promover a inclusão socioprodutiva de povos e comunidades tradicionais do Cerrado e Pantanal. Com foco na integração de conhecimentos e práticas sustentáveis, o projeto busca a conservação desses biomas e o desenvolvimento socioeconômico de quilombolas, raizeiras(os), extrativistas, agricultores familiares e outras organizações comunitárias.

Representantes da Rede Pantaneira e da Apromas Sertão trocam saberes sobre plantas medicinais. Foto: Camila Behrens

Os povos e comunidades tradicionais dessas regiões enfrentam desafios significativos, como invisibilidade, vulnerabilidade socioambiental, e silenciamento de suas vozes devido às pressões econômicas e fundiárias. Lidam com constantes ameaças e processos de discriminação e exclusão social. Esses desafios colocam em risco a preservação de suas culturas, modos de vida e meios de subsistência.

Ao longo dos dois anos de execução, o projeto Enraíza espera alcançar resultados concretos, como a elaboração e implementação de projetos voltados para inclusão socioprodutiva, gestão territorial e ambiental. Também visa fortalecer as organizações comunitárias, desenvolvendo suas habilidades para elaborar e executar projetos e planos de gestão. Além disso, busca aumentar a visibilidade e sistematizar as experiências das comunidades, por meio da produção de materiais que reforcem e divulguem o trabalho dessas organizações.

Representantes da ACAPPM elaboram um plano de trabalho com o apoio do IEB. Foto: Camila Behrens

O encontro inaugural do Enraíza foi um marco significativo, consolidando o projeto e permitindo que os participantes se conhecessem e construíssem laços de compromisso e confiança. A programação incluiu uma aula de Cláudia de Pinho sobre a Secretaria de Povos e Comunidades Tradicionais do MMA e a Política Nacional de PCTs, a apresentação da política do Plano Clima, além de rodas de conversa e a elaboração dos planos de trabalho de cada organização. A discussão sobre governança e pactos coletivos para os próximos passos destacou o compromisso do projeto com o fortalecimento institucional e a valorização dos conhecimentos tradicionais. 

Próximos Passos

Para garantir o sucesso do projeto Enraíza e o fortalecimento das comunidades tradicionais, os próximos passos incluem a implementação dos planos de trabalho elaborados durante o encontro inaugural, com o auxílio dos recursos financeiros disponibilizados pela SNPCT. As organizações comunitárias começarão a desenvolver e executar projetos com o suporte contínuo da equipe do IEB e da Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais. Foi formado um comitê gestor que se reunirá periodicamente para garantir a execução e o monitoramento colaborativos.

Além disso, serão promovidas encontros virtuais e presenciais para aprimorar as habilidades das organizações na elaboração e execução de projetos, enquanto a visibilidade das comunidades será ampliada através da produção de materiais e sistematização das experiências. 

O acompanhamento e a avaliação periódica assegurarão que os objetivos sejam atingidos e que os desafios sejam enfrentados, contribuindo para a preservação dos biomas Cerrado e Pantanal e para a valorização dos conhecimentos tradicionais e modos de vida das comunidades envolvidas.

Del e seu neto discutem problemas e soluções para suas comunidades. Foto: Camila Behrens

Del, representante da APROMAS Sertão, professora da Escola do Sertão, agricultora, extrativista e pesquisadora cerratense, participou do evento ao lado de seu filho, neto e nora. Ela expressou sua gratidão e compromisso com a jornada: 

“Eu fico muito feliz de estar aqui ao lado de cada um, ouvindo suas histórias e conhecendo suas realidades, mesmo que sejam muito difíceis. Quando eu pensar agora no Pantanal e no Jalapão, não vou apenas lembrar da mata verde; vou me lembrar da força e do rosto de cada um de vocês, dos povos que vivem, lutam e fazem parte dessas terras. Vamos seguir juntos, sem desanimar! Contem com a gente, e espero reencontrá-los em breve no meu território, e também nos de vocês.”

Texto: Camila Behrens

 

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