IEB inicia formação de mulheres no Amapá com a participação da secretária geral da CUT

  novembro 2, 2020

O Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) iniciou sexta-feira (30/10) o Programa de Formação em Gênero, Economia e Sustentabilidade com 50 mulheres agricultoras inscritas, todas do Amapá. Devido a pandemia o encontro ocorreu de maneira virtual com a participação da secretária geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Carmen Foro. Paraense do município de Igarapé-Miri, filha de agricultores familiares, ela dialogou sobre o tema Organização Socioprodutiva das mulheres na Amazônia. Acompanhe a entrevista feita pela equipe do programa de formação.

Carmen, uma das características de sua trajetória são os cargos de liderança dentro dos movimentos sociais – isso inclui a presidência da CUT em 2007. Na sua avaliação quais os maiores entraves para que mulheres consigam assumir degraus mais altos nas organizações?

Carmen Foro – Os maiores entraves para que as mulheres não consigam assumir degraus mais altos nas organizações tem origem na concepção de sociedade construída a partir de uma visão patriarcal, machista, de que o lugar das mulheres normalmente é do cuidado, de criar os filhos para ir ao trabalho, alimentar os homens para ir à guerra.

Essa cultura histórica vem perdurando por muito tempo. Resultado disso é que nós temos poucas mulheres nos espaços que decidem a vida da população brasileira. Seja no Congresso Nacional, Senado: lugares de decisão importantes do país.

Nas organizações sociais não é diferente.  Temos poucas mulheres, mesmo que isso tenha se alterado ao longo de bastante tempo, em um processo de organização, pressão, mobilização das mulheres para que sejam vistas como iguais. Aliás, de acordo com a Constituição Brasileira, nós somos iguais. [Mas] perante aos direitos na vida real temos séculos, um longo caminho, para sermos iguais.  Ocupar os espaços e ter direitos iguais ainda falta um longo caminho.

Até porque os locais que fazem as leis [Congresso, Senado etc…], controlam as leis e as executam são lugares em que homens mandam. Portanto, não efetivam muitas das vezes aquilo que tá escrito no papel [a igualdade]. Então, são muitos desafios, mas nós não podemos desistir. É claro que, aos pouquinhos, as mulheres vão construindo maior presença nos espaços, nas organizações. Mas é um caminho de muito tempo que nós estamos trilhando.

Um cenário habitual da agricultura familiar na Amazônia são os poucos recursos para produzir e escoar sua produção. Você pode compartilhar alguma experiência exitosa com a participação de mulheres que tenha ajudado a superar esses obstáculos?

Carmen Foro – Na Contag quando eu estava lá cheguei a fazer uma grande feira  agroecológica, feira da produção das mulheres. Mas vou falar pra vocês do grupo de mulheres de Igarapé-Miri, que reúne vinte pequenos grupos de agricultoras e organizam feiras toda sexta-feira no sindicato. É um exemplo, mas há outros na Amazônia.

Faz muito tempo que a gente cataloga grupos produtivos de mulheres. Há uma corrente importantíssima de resistência das mulheres, de resistência de grupos sociais importantes na Amazônia. Existem, resistem, produzem (…) produzem socialmente, produzem economicamente. Condições que fortalecem a autonomia e garantem a renda das famílias também.

 

Mulheres no Amapá reunidas para o inicío do programa de formação

Mulheres reunidas em um pólo local de internet participam do encontro on-line (Foto: Gabrielle Santos Corrêa)

Hoje observamos um retrocesso nas conquistas sociais alcançadas pelos governos anteriores. Nessa conjuntura tão adversa aos movimentos sociais, qual deveria ser a postura das organizações de base na Amazônia, território historicamente marcado por conflitos agrários e que hoje está cada vez mais vulnerável?

Carmen Foro – Vivemos um retrocesso secular, um ataque sem nenhuma dimensão, um ataque a vida das populações. Vemos mensagens que destroem. Discursos que incentivam a predação na Amazônia brasileira. Nunca antes na história do nosso país convivemos com uma situação tão grave de desrespeito à população.

Nós temos que resistir. E a resistência está no nosso fortalecimento, na nossa capacidade de nos fortalecer a partir do lugar que nós vivemos. Nos últimos trinta anos, nós acumulamos experiências, acumulamos força e resistência e nesta conjuntura tão adversa as organizações de base terão de se manter resistentes para lutar, enfrentar. Acho que a denúncia é um caminho muito importante. Fortalecimento da organização local, a denúncia e a resistência são nossos guias nos próximos períodos.

Agora [esses desafios] infelizmente não serão superados tão facilmente. Nós teremos que continuar sendo muito resistentes. E as mulheres e as organizações sociais terão que enfrentar o novo contexto de dificuldade, marcado pela disputa da terra,  pela água, pela floresta. É uma fúria do capital de forma indomável, sendo que nós estamos sem nenhum nível de proteção a partir dos próprios governos locais, dos governos estaduais e do governo federal.

[Com alguma exceções] há um incentivo forte da classe política para expropriação. Quer dizer: o capitalismo não é de agora, é de muito tempo sua predação. Mas no passado eles pelo menos disfarçavam. Agora, há uma brutalidade gigante nesse processo de exploração e,  principalmente, um incentivo muito forte por parte do governo federal.

Carmen você participou de um encontro virtual formativo com mulheres agroextrativas amazônidas. Qual a importância desses momentos de reflexão e compartilhamento de experiências? Existe algum evento ou momento como este que influenciou em sua militância?

Carmen Foro – Participar deste encontro virtual formativo me deixou ainda mais animada com mulheres agroextrativistas amazônicas. [Importante esse] esforço gigante para fazer uma atividade de forma virtual, pois infelizmente além de todas as outras questões a qual me referi nós somos excluídas de acesso à internet na Amazônia –  mesmo nas cidades, nós temos dificuldades de internet.

Fazer essa reflexão neste momento é partilhar os nossos conhecimentos a nossa visão. Olhar os desafios que estão em nossa agenda nos faz crescer. Eu lembro que fizemos lá atrás o encontro de empreendedoras amazônidas, isso na década de noventa. Agora a gente vê que as mulheres continuam se organizando, continuam firme, de pé. Tudo isso influenciou minha militância.

Eu gostaria que  [os desafios enfrentados hoje] já tivessem sido superados.  Mas demos passos importantes, mas às vezes olhamos e vemos que ainda precisamos avançar muito, precisamos nos fortalecer ainda mais.  Todos os dias eu me sinto fortalecida quando tenho este tipo de oportunidade. Então vamos seguir. Porque nossa passagem por aqui tem que ser uma passagem para deixar lastros.

Eu acho muito importante o IEB fazer esse tipo de atividade, elas são infindáveis. Há  grupos de mulheres que tem muito tempo de organização, outras estão se consolidando agora.  São lutas das mulheres em torno da sua própria vida, da sua própria sobrevivência, da defesa da agroecologia, da defesa dos seus modelos de produção sem agrotóxico, da busca pela renda para a sobrevivência no cotidiano.

Agradeço a oportunidade, acho que este é o caminho certo: desafiar o atual momento para irmos mais longe. Parabéns ao IEB por suas iniciativas e nós estamos juntos e juntas (fim).

Cadeias produtivas

O Programa de Formação em Gênero, Economia e Sustentabilidade ocorre no âmbito do projeto Mulheres e Cadeias Produtivas no Amapá, desenvolvido pelo IEB e terá parceria com a Embrapa/Amapá em algumas ações. O projeto busca contribuir com o protagonismo de mulheres na economia local e enquanto sujeitos ativos em processos de desenvolvimento territorial com base na sustentabilidade. Ao todo o programa terá oito encontros e um seminário, todos virtuais. A conclusão será no dia 21 de janeiro de 2021.