ENTREVISTA: Rivanda Lina (Instituto de Mulheres Negras do Amapá – Imena)

  dezembro 15, 2020

Atuando há mais de 20 anos nos movimentos sociais, a professora Rivanda Lina faz parte do Instituto de Mulheres Negras do Amapá (Imena). Formada em Economia Doméstica pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), com especialização em Mídias na Educação pela Universidade Federal do Amapá (Unifap), ela explica como o senso de coletividade no movimento negro lhe ajudou no processo de afirmação da identidade feminina.

“Aprendi a crescer com o coletivo”, destaca. “Aprendi que o lugar de mulher é onde ela quiser estar e que precisamos dizer que o teu ‘não’ e a tua vontade é o que prevalece.”

Por outro lado, a falta de uma atuação unificada muitas vezes atrapalha a atuação no estado mais fronteiriço do Norte brasileiro. “A gente às vezes compra algumas causas juntos com o grupo, mas nunca é a totalidade”, resume a professora.

Para Rivanda, também há um risco quando participantes do movimento negro permitem a interferência de políticos nas pautas. Isso, segundo a docente, abre espaço para eventuais conexões – mesmo que indiretas – com episódios de corrupção.

“Muitas das vezes a gente [do Imena] opta por não pegar edital de determinados locais para que depois não fiquemos ligadas à instituição do fulano, ao sicrano e ao beltrano”, analisa a professora, sobre a atuação do Imena dentro desse cenário. “Não que sejamos melhores do que os outros movimentos, não que sejamos isso ou aquilo, mas é mesmo por uma questão de ética.”

Rivanda participou das duas turmas do curso Educação, Gênero e Identidades Negras sob o Foco dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), atividade desenvolvida pelo projeto Mulheres Negras e Quilombolas pelo Direito à Educação. O projeto é   desenvolvido pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), com apoio do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para agenda 2030 e financiamento da União Europeia.

Em nome do Imena, a professora atuou como parceira do projeto, mobilizando as mulheres para participação nas ações, participando ativamente das duas edições do curso e inclusive realizando as escutas sobre educação quilombola em comunidades. Conversamos com ela sobre os desafios do movimento negro no Estado e como o projeto Mulheres Negras e Quilombolas pelo Direito à Educação pode contribuir para a superação dos desafios enfrentados pelo movimento.

Gostaria que tu falasses primeiramente sobre como começaste tua atuação nos movimentos sociais.

Estou na militância desde 1998. Início de 1998. Vim do movimento negro e, em 1999, juntamente com um grupo de mulheres criamos o Imena, onde estou desde então. Venho nessa militância acompanhando e… você sabe que o movimento social não é fácil, há altos e baixos, idas e vindas, mas continuamos no movimento.

Como o movimento influenciou na tua vida cotidiana? Tanto do ponto de vista privado quanto público.

Para mim, o movimento social, ele me mudou tanto no meu coletivo quanto no pessoal. Depois que fui para o movimento, principalmente no movimento de mulheres, passei a assumir umas coisas que deveria ter assumido há muito tempo. Às vezes não temos coragem, precisamos ser motivadas para isso. E estou no movimento até hoje. Contribuo bastante, da melhor forma possível. Sempre falo na minha casa que se brigarem comigo e disserem que eu tenho que sair do Imena, eu fico no Imena e dispenso todo mundo, porque aprendi a crescer com o coletivo. Aprendi que o lugar de mulher é onde ela quiser estar e que precisamos dizer que o teu “não” e a tua vontade é o que prevalece. Então aprendi muito e hoje sou muito firme nas coisas que faço e que falo. E sei que ainda estou em fase de aprendizagem porque morremos aprendendo. Mas esses 17 anos que estamos no Imena vêm de um aprendizado muito lindo, de amizade verdadeira, de pessoas que vamos poder contar para o resto da vida. O movimento de mulheres negras me fortaleceu e contribuiu para a mulher que sou hoje.

Para ti, quais são os maiores desafios do movimento negro no Amapá?

Bom, eu vejo que um dos maiores desafios do movimento negro é a questão de que ele vive de “pires na mão” e termina sendo cooptado politicamente. E aí o cara que é cooptado para o partido A ou o partido B tenta passar com o “rolo compressor” por cima de você que não apoiou o candidato dele. No Imena, nós temos nossa política interna que, não importa o governo que esteja, se te chamarem para assumir algum cargo ou algo parecido, fica à vontade para dizer “sim” ou “não”. Só queremos que nos comunique porque, daquela data em diante, você não pode continuar  falando em nome das mulheres negras do Imena. Quando você sair do cargo, estaremos lá, esperando você. Mas enquanto [a pessoa] está em algum cargo político, pedimos para que as pessoas nem se manifestem dizendo “eu sou do Imena”. Você pode dizer que faz parte do movimento das mulheres negras, mas naquele momento não representa a instituição.

Falta unidade ao movimento negro? Acreditas que as forças do campo ainda estão dispersas?

O movimento negro em todo o Estado não tem essa unidade. Geralmente é um puxando para um lado, um “puxando a sardinha” para o seu e, com isso, não conseguimos ter aquela unidade para brigarmos juntos. A gente às vezes “compra” algumas brigas juntos, como grupo, mas nunca é a totalidade. Uma das grandes falhas que observamos é que [os militantes] deixam [os governantes] usarem tua instituição como moeda de troca.

Como o Imena se comporta nesse cenário, especialmente em relação às tentativas de interferências externas?

Temos uma política muito bacana quanto a esse sentido. Se alguém chama, a gente vai e fala: “Não trabalhamos dessa forma, não dá para ser assim, não pode”. E muitas das vezes a gente prefere nem entrar para fazer… pegar edital de determinados locais para que depois não fique ligando a instituição ao fulano, ao sicrano e ao beltrano. Preferimos até não participar. Não que sejamos melhores do que os outros movimentos, não que sejamos isso ou aquilo, mas é mesmo por uma questão de ética. Nunca tivemos problemas com nosso CNPJ, nunca nos envolvemos em falcatruas, o que quer que seja, porque a gente consegue fazer as coisas de forma bem transparente mesmo. Por isso, eles dizem às vezes que somos “encrenqueiras”, mas não é. Eu acho que, se você entra numa causa, é para você defender. É para você levantar a bandeira e não deixar com que as pessoas usem você em benefício próprio. Porque é muito comum ver isso. Determinadas pessoas do movimento sendo usadas. Mas elas não percebem isso. E quando você às vezes tenta alertá-las, elas ainda ficam chateadas com você. Então o movimento negro no Amapá não tem uma unidade, ele é “cada um por si, Deus por todos”. Mas eu acredito que às vezes conseguimos ter unidade em pequenas causas juntas. Às vezes você vai para o mesmo ato, questionar e tal, mas não é uma fala do movimento negro. É uma fala da instituição A, instituição B, instituição C e assim por diante.

Como tu avalias os resultados  Educação, Gênero e Identidades Negras sob o Foco dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)?

 Te falei ainda há pouco que nós morremos aprendendo. O curso tem sido um aprendizado, um compartilhamento, uma troca muito grande de experiências, uma vivência diferenciada. Pena que ele poderia ter sido mais rico. Pelas circunstâncias que estamos vivendo na pandemia, as atividades presenciais não foram possíveis. Elas poderiam ter enriquecido muito mais o curso e fazer com que esse entrelaçamento de ideias, de pensamento, de vivências, essa troca toda, [poderiam] dar frutos bem maiores e melhores. Mas o curso é muito bom e as coisas que estão sendo abordadas nele foram vistas a dedo, como a gente diz, escolhidas a dedo. É aquele “sacode” que está te faltando, é repensar algumas formas de atitude, é rever alguns comportamentos e é uma inovação para inovar no teu dia a dia de militância. Porque tem coisas que vimos, lemos, estudamos [durante] uma época, discutimos e ficou lá guardadinho naquela caixinha e que o curso fez você revisitar. Fez você ver que o que você pensava naquela época, você poderia ter feito melhor ou agido melhor ou dado uma resposta melhor. Então fez você revisitar, rever, repensar e renovar.

E o que mais te chamou atenção no conteúdo que foi apresentado?

Olha, eu nunca tinha parado para ler, estudar e compreender da forma como foram trabalhados os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Lemos  em alguma época lá atrás, discutimos alguns, falamos e tal, mas, como te falei, pegamos esse conhecimento, deixamos lá naquela caixinha e vai embora. Você vai fazendo outras coisas, acumulando e ela fica no esquecimento, na poeirinha. E por aí vai. Mas aí com o curso percebemos o quanto estamos paradas no tempo, o quanto precisamos nos renovar e o quanto você pode fazer para melhorar o que está aí. E quando ele foi trabalhado, acredito que ele despertou muita coisa. Não só em mim, mas em muitas pessoas do grupo. Os outros conteúdos que me desculpem, os conteudistas que fizeram, muito bacana, muito legal, eles mexeram, mas não tanto quanto os ODS. Eles realmente impactaram de uma forma bem legal e me fizeram repensar em voltar a trabalhar de uma forma diferente e buscar outras estratégias. E, assim, ele nos fez perceber que não estamos mortos. Não estamos parados. Só precisamos rever nossa forma de atuação. E rediscutir e ir em frente.

E como tu achas que o curso pode ajudar os participantes da militância em suas comunidades?

Podemos repensar alguns comportamentos, assim como podemos rever a forma de atuação da instituição. Quer dizer, éramos para estar no patamar 5 e estamos no 2,5, no 3. Você pode e deve ir mais longe. Acredito que ele me levou a repensar como contribuir mais, como ser mais presente [no movimento] e poder ser mais útil dentro da minha instituição, bem mais do que eu sou. Lógico que podemos melhorar cada vez mais. Não é que seja fácil ou simples de fazer, mas o Daltro [Paiva, ministrante do curso] fala de forma tão leve, tão leve, que faz com que você busque e comece a repensar novas estratégias. Talvez as estratégias que utilizamos até agora, a forma como foram trabalhadas, não foram suficientes. Não precisamos ir para os finalmentes, mas você precisa de uma estratégia para chegar até o final, de modo que você consiga atingir aquele objetivo. Não sei para as outras pessoas, mas ele me fez realizar uma viagem de 360º e rever muitas coisas (FIM).