“É apenas o início de uma união. A gente marcou Brasília” – As mulheres do Sul do Amazonas e a Primeira Marcha Nacional das Mulheres Indígenas

  agosto 20, 2019

Discutir, fortalecer e evidenciar o papel das mulheres indígenas na defesa de territórios e na efetivação de seus direitos, no combate a retrocessos e na ampliação de sua participação na política. Estes foram os objetivos centrais do Primeiro Fórum e Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, que reuniu em Brasília, entre 10 e 14 de agosto, mais de 2.500 mulheres de cerca de 130 povos indígenas com o lema “Território: nosso corpo, nosso espírito”.

Ao longo de quatro dias, as participantes puderam conhecer e trocar experiências sobre as realidades das parentas de todo o Brasil e de outros países, identificando convergências e potências, além de apresentar elementos de suas culturas e construir uma plataforma unificada de atuação em torno de temas comuns – por meio de rodas de diálogo, debates com mulheres indígenas que protagonizam a política institucional e nos territórios e ações de visibilidade em defesa de direitos.

Entre as mulheres que participaram da Marcha estiveram lideranças das terras indígenas localizadas nas bacias dos Rio Purus e Madeira, no Sul do Amazonas.

Para Noêmia Apurinã, representante da Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus (FOCIMP), destruição, invasão e queimadas são parte do cotidiano de muitas parentas. “Foi meu primeiro encontro, mas peguei um pouco de experiência de entender como a gente indígena sofre para conseguir as coisas. Também foi bom conhecer as pessoas, os sofrimentos não só das nossas comunidades. Não devemos ter vergonha de quem são e de seus direitos, buscar responsabilidade e a justiça”, apontou.

O contato e as trocas com as parentas de todo o país também foi destacado por Manupa Apurinã, da Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi (OPIAJ). “Não vou mentir que não estou cansada, mas estou muito feliz. As mulheres estão mostrando sua cara pela primeira vez. Poder dividir esse momento com outros povos de outras regiões é muito bom. O que eu trouxe de problemas da minha região pra cá não são diferentes de outros, como desmatamento, educação, saúde. Estou saindo daqui levando uma experiência enorme, e na Marcha das Margaridas deu pra ver quanto elas necessitam da gente e o quanto esse governo está sendo cruel com a gente. Queria que as outras mulheres do meu povo sentissem a emoção que eu senti. É apenas o início de uma união. A gente marcou Brasília” OPIAJ

“Nossa aldeia é demarcada, mas tem muita invasão, retiram muita madeira. Vou levar pra sala de aula, pros meus alunos, o que vivi aqui. Temas como educação, saúde e território foram muito importantes pra mim”, completou Francisca Silva, representante da Organização dos Povos Indígenas Pupingary e Jamamadi de Boca do Acre/Amazonas (OPIAJBAM).

Janile Paritintin, da Organização do Povo Indígena Parintintin do Amazonas (OPIPAM), lembrou que as pessoas não sabem o quanto os povos indígenas precisam lutar para conquistar o que têm. “Nossos povos são de diferentes etnias, mas a luta é a mesma. Espero passar pros meus parentes o quanto estamos lutando para conseguir que nossos direitos se realizem”.

Representantes da Associação do Povo Indígena Jiahui (APIJ), Joelma e Edna Jiahui relataram que a violência que sofrem cotidianamente por viverem com uma BR cortando sua aldeia é “infelizmente é a mesma que acontece com muitos povos”.

A história de criminalização da família do cacique Babau Tupinambá, contada por sua irmã durante a Marcha, vai ficar na memória de Marcia Tenharin, da Associação do Povo Indígena Tenharim Morogitá (APITEM). “Pela luta do povo, eles conseguiram sair da cadeia. Fiquei muito emocionada”.

Já Elizângela Tenharin, da aldeia Água Azul e representante da Associação do Povo Indígena Tenharin do Igarapé Preto (APITIPRE), comemorou ter conhecido várias etnias e os diferentes artesanatos, além de discutir semelhanças sobre os desafios da educação que enfrentam outros povos. “Na nossa aldeia, educação é bem difícil, indígenas de lá estão indo para a cidade. Espero que essa marcha seja a primeira de muitas”.

Diálogos e resistência

Na segunda-feira (12), as indígenas ocuparam a sede da Secretaria Especial Saúde Indígena (SESAI) para exigir a garantia do direito irrestrito ao atendimento diferenciado à saúde aos povos indígenas, na contramão dos processos de privatização, municipalização ou estadualização do atendimento à saúde em curso no atual governo.

No dia seguinte, caminharam pela Esplanada dos Ministérios em uma marcha histórica na qual evocaram sua ancestralidade em defesa da Mãe Terra e seus territórios. Em frente ao Congresso Nacional, se uniram a um ato de estudantes em defesa da educação. No final da manhã, na Câmara dos Deputados, um grupo de 100 mulheres indígenas participou da sessão solene que homenageava a Marcha das Margaridas – evento de mulheres do campo que já faz parte do calendário de manifestações em Brasília.

Ao final da Marcha, as mulheres indígenas divulgaram um documento em que apontam 14 compromissos centrais de luta, como a garantia da demarcação das terras indígenas, o atendimento diferenciado à saúde, o direito de acesso à justiça, a representatividade das mulheres indígenas nos espaços políticos de decisão, políticas de educação diferenciadas para crianças e jovens e o fim da violência contra os povos e lideranças indígenas, entre outros.