Cozinha Agroextrativista Iaçá, uma conquista das mulheres marajoaras

  setembro 27, 2018

Ainda existem muitas iniciativas comunitárias no território amazônico desenvolvendo atividades de gestão dos recursos naturais, experiências que precisam ser reconhecidas e visibilizadas, como é o caso da comunidade Santo Ezequiel Moreno em Portel, Marajó, Pará.

Entre as riquezas desta localidade estão manejo dos açaizais, que permite às famílias ribeirinhas colher os frutos o ano inteiro, além do beneficiamento e verticalização da produção de maneira plenamente solidária e sustentável. Bens sociais e coletivos conquistados com muita organização, busca constante por mais conhecimentos e parcerias estratégicas.

Foi graças a isso que a comunidade deu mais um passo na última sexta, 21, quando inaugurou a Cozinha Agroextrativista Iaçá, uma conquista da Associação de Moradores Agroextrativistas do Rio Acutipereira (ATAA), Fundo Açaí, Associação dos Moradores Agroextrativistas do Assentamento Acutipereira (Asmoga), em parceria com o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e Fundo Socioambiental Caixa, junto ao projeto “Mulheres Marajoaras”.

Mas a lógica dos povos da floresta é avessa ao sistema que vem regendo perversamente a maioria dos países do mundo. Por isso, essa riqueza foi colocada à disposição durante a cerimônia de inauguração para as outras comunidades do rio Acutipereira, assim como para outras comunidades de Portel e de municípios da região, como Melgaço, Breves e Belém.

“Estou muito emocionada de ver a conquista que, sobretudo, as mulheres dessa comunidade estão tendo”, se emocionou Graci Costa, coordenadora de mulheres do Sindicato de trabalhadores/as Rurais de Portel. Segundo ela, a cozinha também ajudará famílias portelenses e da região na geração de renda, além de servir de laboratório de tecnologia social para as organizações de assistência técnica e universidades.

Durante a cerimônia, também participaram representantes do poder público municipal, da Emater, ICMbio, da UFPA, da rádio local Arucará FM, SEBRAE, do IEB, da Escola Municipal Santo Ezequiel Moreno e do Fundo Socioambiental da Caixa.

COLHENDO BONS FRUTOS

“Como a comunidade já tem uma história na área da culinária, nós vimos que essa cozinha poderia potencializar ainda mais a nossa produção. Hoje conseguimos fornecer alimentação de qualidade para uma escola, através do PNAE. Queremos, em breve, atender mais três escolas, e assim sucessivamente”, relata Sônia do Socorro, liderança da comunidade Santo Ezequiel Moreno. Já Teófro Lacerda, também liderança comunitária desta localidade, recorda que a cozinha recebeu apoio do projeto “Mulheres Marajoaras” com capacitação e compra de equipamentos. O prédio, entretanto, foi levantado a partir da mobilização popular. “Nós criamos o Fundo açaí para que, a partir da contribuição solidária das famílias daqui nós pudéssemos angariar recursos para melhorar as nossas vidas. Foi assim que fizemos pontes, o centro comunitário, a igreja, e, além de outras aquisições, erguemos de alvenaria a cozinha”, argumentou Teófro.

“A cozinha agroextrativista era um sonho para todas nós mulheres da nossa comunidade. Sabemos que não foi fácil chegar até aqui, isso só demostra que a nossa união é que faz a força. É por isso que quero agradecer ao IEB e ao fundo Caixa por estar junto com a gente neste trabalho”, relatou emocionada a agroextrativista Ana Maria Ramos de Melo, uma das principais protagonistas da cozinha e autora das principais receitas produzidas na culinária local.

EMPODERAMENTO FEMININO

Essa cozinha é uma conquista de toda gleba Acutipereira, segundo Maria Claudia, presidente do fundo Açaí e liderança de Santo Ezequiel Moreno. “Tenho certeza que conseguiremos nos unir às mulheres de outras regiões para que, juntas, lutemos para seguir adiante, porque esse é só o começo”, convocou Maria, que com naturalidade costuma observar diversas mulheres da localidade colocarem sua peconha e apanharem açaí. Assim, a participação das mulheres se dá em todas as etapas da produção agroecológica do açaí, gerando segurança alimentar e nutricional, além de valorizar a cultura alimentar marajoara.

Nesse sentido, as colaborados do IEB, a pesquisadora Waldiléia Amaral e a tecnóloga de alimentos Thayse Primo realizaram oficinas desde a segunda, 17, para refletir sobre aspectos relacionados à organização das mulheres no contexto de insegurança alimentar, apresentando estratégias coletivas para acessar novos mercados, de como a preparação de alimentos poderia ser potencializada, somando a estrutura da cozinha industrial agroextrativista com a já criativa culinária marajoara das mulheres da região do rio Acutipereira, tendo um cuidado maior com a organização das receitas agroecológicas e com a forma como os pratos são apresentados.

COZINHA JÁ NASCE VITORIOSA

Não só pelos pratos ricos em nutrientes, beleza e simbologias do Bem Viver, mas a constatação das pessoas que participaram da cerimônia de lançamento foi de que a experiência já é um modelo a ser seguido. Uma das pessoas a fazer tal reconhecimento foi Zibia Carvalho, assistente de projeto social do Fundo Socioambiental da Caixa. Ela recordou que a experiência dessa comunidade já foi premiada nacionalmente. É, para ela, uma satisfação perceber como os recursos humanos e financeiros empregados já estão gerando resultados positivos.

“A Cozinha Extrativista Iaçá é um exemplo claro de políticas públicas que surge através de uma demanda local, e aí a comunidade foi buscar parcerias que viabilizam as benfeitorias que vão favorecer a geração de renda das mulheres e das famílias”, declarou Marcos Silva, representante do IEB no evento. Segundo ele, vale lembrar que todas as receitas que compõem os alimentos produzidos na cozinha e que são servidos na merenda escolar da comunidade por meio do PNAE, fazem parte da cultura local, são alimentos produzidos na própria comunidade e que, somado à capacidade que agora elas têm de aumentar a produção, através da cozinha equipada, também podem conseguir financiamentos futuros.