Cooperativa de manejo florestal comunitário quita crédito bancário

  junho 5, 2020

Organização opera na maior Unidade de Conservação do Brasil

Nesse mês de maio de 2020 a Cooperativa Mista Agroextrativista Nossa Senhora do Perpétuo Socorro do Rio Arimum (Coomnspra) conseguiu quitar o crédito bancário para custeio da exploração sustentável da madeira na Reserva Extrativista Verde para Sempre para o ano de 2019, fato que indica viabilidade das operações de manejo florestal comunitário e familiar (MFCF) e o compromisso dos comunitários com o agente financeiro que concedeu o financiamento.

Credibilidade

Com o prazo de dois anos para ser quitado, o crédito foi viabilizado pelo Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e operado pelo Banco da Amazônia (Basa). Originalmente os juros pelo empréstimo era de 3% ao ano, contudo a cooperativa honrou o compromisso antes do prazo, economizando 1% de juros do valor original.

Embora o repasse tenha sido individual o recurso foi gerenciado pela Cooperativa, fato que tornou a responsabilidade pelo pagamento do crédito uma ação da coletividade. O pagamento foi efetivado em menos de um ano, honrando os 22 contratos individuais que somavam R$ 470 mil.

“O arranjo pensado para empréstimo favoreceu esse pagamento. O repasse foi para os cooperados, porém assumimos, enquanto organização, a gestão financeira dos recursos recebidos. Eles foram fundamentais para que a cooperativa conseguisse negociar melhores condições de pagamento com o comprador da safra, bem como garantir o pagamento em dia da mão-de-obra dos cooperados”, comenta Jones Santos, presidente Coomnspra.

Com o crédito foi possível viabilizar também pagamentos à vista e com melhores preços dos insumos e aluguel de maquinários para as operações da safra, conforme previsto no plano do empréstimo. “Isso fez com que a cooperativa, desde sua criação em 2014, fechasse pela primeira vez o ano fiscal com saldo positivo em nossa contabilidade. Foi possível investir em equipamentos e bens para melhorar a produção. Vamos poder também dividir as sobras com a comunidade”, ressaltou a tesoureira da Coomnspra, Nilde Ribeiro.

Os empréstimos na modalidade concedida à Cooperativa em Porto de Moz sempre trazem consigo o risco da inadimplência, ou seja, a incapacidade de pagamento do tomador do empréstimo, afirma Flávia Castro, analista da gerência de análise de crédito do Basa. “O risco no Pronaf operado pelo Basa está em torno de 5,92%. Ao honrar o compromisso financeiro, a cooperativa ganha credibilidade junto ao agente financeiro”, explica.

Articulação

O custeio da safra florestal operado na Resex Verde para Sempre só foi possível graças à ação articulada de diversos parceiros que somaram esforços para que o crédito se tornasse uma realidade. Estiveram envolvidos nesse trabalho a diretoria das cooperativas e associações da Resex Vede para Sempre, organizações de apoio técnico que atuam no território, tais como, o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Instituto Conexões Sustentáveis (Conexsus), Instituto Floresta Tropical (IFT), Embrapa Amazônia Oriental através do Projeto Bom Manejo 2 e o Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz (CDS).

A articulação provida pelo Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar (OMFCF), representado pelas organizações que atuam na Resex Verde para Sempre, conseguiu o apoio da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) para a emissão das Declarações de Aptidão ao Pronaf (DAPs) e dos projetos de crédito que foram apresentados ao Basa.

“Somente após diversas reuniões realizadas pelos parceiros com o banco, foi possível definir condições mais favoráveis às organizações comunitárias, tais como a gestão coletiva do recurso pela cooperativa, o aumento da carência para 2 anos, taxa de juros de 3% ao ano e, o principal: o plano de manejo florestal sustentável como garantia do empréstimo” explica a coordenadora do IEB, Katiuscia Miranda.

João Luiz Guadagnin, membro do Conexsus, avalia que o trabalho de parceria dos cooperados e direção da Coomnspra, juntamente com as outras organizações envolvidas na articulação da concessão do crédito, foi o diferencial para que o primeiro financiamento de custeio para o MFCF atingisse dois objetivos: estimular a geração de renda e melhorar o uso da mão de obra familiar – ambos também são foco do crédito rural do Pronaf

“O uso coletivo dos recursos, sob coordenação da Coomnspra, assegurou 100% de adimplência, o que comprova que é um modelo que pode ser replicado com outras organizações econômicas socioambientais da Amazônia. A devolução dos recursos antes do prazo definido no contrato serve para aumentar a confiança dos agentes financeiros nos extrativistas e em suas organizações”, afirma João Guadagnin.

Maturidade gerencial

“O que vemos aqui é o surgimento muito promissor de um novo modelo de financiamento do uso sustentável das florestas no Pará e na Amazônia”, comenta o pesquisador Maximilian Steinbrenner, do Projeto Bom Manejo 2 (Embrapa). Para ele a operação de crédito na Verde Para sempre foi bem-sucedida e registra a maturidade gerencial da cooperativa, conquistada com entusiasmo e persistência.

“A COOMSPRA domina as questões técnicas do manejo florestal sustentável há bastante tempo. Operar um crédito dessa categoria de maneira profissional representa um novo marco em sua história, principalmente em meio a uma crise econômica causada por uma pandemia”, conclui Steinbrenner.

A extrativista Rosalina Magalhães é a segunda secretária da Coomnspra e foi uma das comunitárias que recebeu o crédito. Envolvida na diretoria da cooperativa ela avalia que o feito favorece novas oportunidades na Resex. “Foi uma boa experiência, mostrou que temos capacidade de gerenciar o crédito bancário. Podemos conseguir outros [créditos], não só para a madeira, mas para a agricultura e para nossas associações”, ressalta.

Em tempo

A Coomnspra é uma das seis organizações comunitárias com planos de manejo ativos na Reserva Extrativista Verde para Sempre – a maior do Brasil, com mais 1,2 milhão de hectares. A cooperativa é pioneira no MFCF dentro de Unidades de Conservação no país, tendo obtido em 2016 a certificação FSC.

Com a pandemia mais de 200 famílias na Resex Verde para Sempre pararam as atividades ligadas à extração sustentável de madeira. Estimativas feitas pelo Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar (OMFCF) indicam um prejuízo de cerca de R$ 1,3 milhão caso as comunidades não consigam operacionalizar a safra de 2020 por conta das paralisações